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De volta aos velhos costumes

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São inúmeras, também diversificadas, as razões para explicar que os governos, quando avaliados em sua essência, têm defeitos em comum, como, certamente, haverão de ser suas qualidades, escassas ou numerosas. Quanto às questões negativas, em geral se ombreiam quando, conscientes de que não devem perder os jogos que disputam, cedem e fazem concessões, para provar, sem poderem ser contestados, que todos têm seu ponto fraco. Como agora fica demonstrado com a decisão do Executivo de bonificar deputados e senadores, a forma que encontrou para remover más vontades em relação à proposta de reforma da Previdência. Abre-se um leque de favores, que começam por contrariar promessa eleitoral do presidente Bolsonaro, ao garantir que essa velha prática de balcão seria removida durante seu mandato. Aliás, ele teria sido mais prudente se não assumisse esse tipo de compromisso com seu eleitorado, porque, tendo sido deputado durante 27 anos, viveu um tempo mais que suficiente para assistir ao pragmatismo com que se celebram as relações entre os dois poderes. Não poderia, pois, alegar surpresa quando o costume defeituoso lhe cai ao colo.

O que autoriza admitir novidade no presente caso foi a decisão do Palácio do Planalto de lançar as ações de convencimento sobre parlamentares de primeiro mandato; oportuna dedução aritmética, pois eles representam cota expressiva do colegiado que assumiu em fevereiro: são 243 entre 513 deputados, e 46 entre 81 senadores, cada qual saindo das negociações com R$ 5 milhões para financiar pequenas obras em seus redutos eleitorais. Ficam liberados de se importarem com deficiências ou virtudes da mensagem governamental. Não deixa de ser preocupante constatar que a premiação a esses novatos incluiu a prerrogativa de influir na indicação de nomes para cargos menores, e nisso se veem, de imediato, comparados aos veteranos. Ainda assim, estes mostram-se bem mais exigentes, quando sentem que têm entre os dedos um voto decisivo. Espera-se que os marinheiros de primeira viagem, com o tempo, possam aprender coisas melhores.

Vê-se logo que a nova geração mostra-se acessível aos acenos do governo. Como sempre foi, com a ressalva da rapidez com que resolve aderir e ceder ao poder, um defeito que a líder do Executivo no Senado entende ser apenas resultado de bom relacionamento entre os poderes. Que não se ouse, contudo, acusar deputados e senadores de primeiro mandato de estarem inovando ou construindo fisiologismo. Como está dito, trata-se de um costume vindo priscas eras. Quando o escritor francês Alphonse Karr, do século passado, decidiu debruçar-se sobre os males que se tornam comuns nas relações entre os governantes, em qualquer parte do mundo (não se referir apenas ao Brasil) não teve dúvida em sentenciar: na política, quanto mais ela muda, mais é a mesma coisa.

Ante os sinais de que vai poder manter e celebrar o velho tom de conversa com os parlamentares, estimulado por esse primeiro lance bem sucedido, o governo federal pode traçar, a partir da tramitação da nova Previdência, um roteiro de regras pragmáticas para a convivência harmoniosa com o Congresso Nacional, ainda que, em algumas vezes, isso possa custar a ruptura do zelo com os interesses públicos; além de causar constrangimento a um dos propósitos que o atual presidente pregou em sua campanha eleitoral. Como também ruborescidos deverão ficar os deputados e senadores, que nos comícios andaram falando coisas diferentes do que agora estão fazendo.

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editorial | jb