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O ônus da aposentadoria

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Quando os últimos governos, em particular o de Michel Temer, viram-se na contingência de ampliar estudos e discussões em torno da Previdência, um detalhe que jamais escapou é que as crescentes dificuldades de caixa esbarravam na culpa atribuída à população por viver mais e pagar contribuições defasadas. A saída proposta, pouco criativa, foi, como ainda é hoje, cobrar mais e durante tempo maior. A tendência dos planos reformistas sempre cuidou de se estribar nessa realidade; e o atual governo, que assumiu em janeiro, não fugiu à regra. Até porque, a bem da verdade, não lhe foram apresentadas alternativas engenhosas.

Mas, a questão que se impõe é outra, e não é de hoje. O problema comporta uma dose de contrassenso, pois à população idosa chamada a trabalhar por mais tempo e prorrogar suas contribuições é a mesma que do governo não recebe os frutos de uma política de assistência e proteção. Socialmente, a insensatez é auto-evidente. Vive-se muitos anos para contribuir, mas não para merecer as atenções devidas. Quando está em foco o interesse dos aposentados, que padecem das soluções, os governantes conseguem ter dois braços: um é comprido e vai longe para tomar; outro braço, miúdo e curto, sabe dar com incrível parcimônia. O que se repetirá proximamente, com toda certeza.

Entre os estudos elencados para instruir a proposta que acaba de chegar ao Congresso, tem-se tomado por base um dado que não pode ser desautorizado. Se, ao ser criado o sistema previdenciário, a possibilidade de vida do cidadão ficava abaixo de 50 anos, é verdade que o brasileiro de hoje vive mais, tem uma expectativa em torno de 75 anos. Contudo, para recomendar que os números da atualidade não sejam absorvidos integralmente, observe-se que os censos e as estatísticas omitem qual a faixa aposentada da população que consegue chegar lá. Seguramente, entre os longevos são poucos os sobreviventes com a modesta aposentadoria, que no Brasil se manifesta como um elástico de reação invertida: seus valores vão se tornando menores à medida em que o tempo passa; de forma que o trabalhador que há dez anos aposentou-se com o equivalente a cinco salários mínimos, hoje está reduzido a dois. E, na contramão da realidade, o benefício escasseia na proporção contrária ao acentuado aumento das necessidades, entre as quais os medicamentos em primeiro lugar.

Pode-se dizer que, neste particular, caberia, por justiça, uma inversão: o braço mais generoso da Previdência voltar-se para os idosos, evitando que milhões deles se vejam forçados a desempenhar tarefas e disputar espaço no universo do subemprego, porque não têm como sobreviver com os modestos benefícios. Fossem melhor tratados, estariam recolhidos, sem interesse em participar da disputa com as legiões de desempregados, sobretudo no mercado de trabalho dos grandes centros urbanos.

Não se pode cair na esparrela dos discursos demagógicos, que consideram as dificuldades expostas como armação dos técnicos, pois elas realmente existem, estão se acumulando gravemente, muitas alimentadas pelos privilegiados, que se recusam a ceder um pouco. Estes deviam ceder, para que também eles não sucumbam na perigosa crise que se avizinha. Há estados em que o coronel PM estadual aposenta-se com 48 anos de idade, recebe soldos integrais. E são milhares. Difícil para qualquer governo é vencer esses privilégios à sombra das demandas corporativistas, que agem com destreza e conhecem, por experiência, como obstruir. É uma grande batalha que está de volta ao Congresso Nacional.