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Depois da tempestade

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Indagação que neste momento alguns meios diplomáticos têm na conta da mais alta pertinência é o comportamento da comunidade latino-americana nas próximas relações com a Venezuela, para aquilo que está sendo chamado de período pós-Maduro, alusão a uma ampla expectativa de que já se esgotaram os recursos do ditador para manter-se no cargo. O que terá de ser feito depois dele? Sua obstinada resistência à entrada de ajuda humanitária no país, a despeito de conhecidas as condições de indigência em que vive a população, passou a ser considerada, no fim de semana, como atitude tresloucada de quem joga as últimas cartadas da sobrevivência política. Quase um jogo de desespero; portanto, tudo a indicar que a vizinhança terá de contribuir para um novo e esperado tempo.

O presidente tem contribuído para o isolamento. Nas últimas horas, numa escala de maior gravidade, promoveu o deslocamento de armas pesadas para as fronteiras, e com elas reagir a planos de invasões externa que, no seu entendimento, estariam camuflados na oferta de alimentos e remédios. Quanto a esse delicado detalhe, os governos vizinhos, a começar pelo brasileiro, ainda que ultrajados pelo vulto da encenação militar, julgaram prudente não comentar o sinal ameaçador, até porque, se o fizessem, teriam de responder no mesmo nível; e, implicitamente, abonando os temores do ditador quanto ao risco de uma agressão ao seu território.

Mas, e depois de Maduro, se ele realmente capitular ou se realimentar forças para a combalida sobrevivência? O que os citados círculos diplomáticos observam é que, à exceção de Cuba, que ao ditador vem prestando solidariedade, as demais nações serão chamadas a contribuir na reorganização das instituições venezuelanas. Nesse trabalho os cubanos se fariam prudentemente ausentes, para não justificar maior interferência dos Estados Unidos no cenário. Da Argentina não se poderia esperar desempenho mais expressivo, pois a Casa Rosada tem preferido manter-se discreta no episódio, e a Colômbia, onde estão 990 mil refugiados, pode alegar que com esse asilo cumpriu sua cota. É por onde se vislumbra a participação expressiva do Brasil, não apenas por um processo de exclusão, mas por ter vasta tradição conciliatória no continente.

A indagação temerosa que parece justifica-se é saber se estamos preparados para tamanha responsabilidade e dividi-la com outras pesadas tarefas que já assoberbam nosso ministério de Relações Exteriores. Os problemas venezuelanos (um deles é que sua produção de petróleo está reduzida a um terço) não cessarão num passe de mágica; e, para enfrentá-los, o primeiro ingrediente é muita prudência diante de uma população que, em parte, terá saudade de Maduro bolivariano. Todo ditador tem os que o amam ardorosamente, assim também como os que o odeiam. Sentimentalmente, o país continuará dividido. E nossa diplomacia, ainda engatinhando sob o modelo de um governo recentíssimo, estaria preparada para a vanguarda das comunidades americanas e ajustar a convivência continental com uma Venezuela a ser reconstruída? Pesará contra nós certa suspeição de outros países e dos próprios venezuelanos, por estarmos rezando demais nas cartilhas de Donald Trump?

Igual número de razões que nos credenciariam para liderar o bloco latino-americano na pacificação e reconstrução do vizinho é o mesmo que nos afasta de tal responsabilidade, ainda que nenhuma desconfiança quanto às relações do atual governo seja suficiente para empanar ou comprometer o sincero desejo nosso e de todo o continente de ver a Venezuela despertar do pesadelo.