Instala-se oficialmente, amanhã, a nova legislatura do Congresso Nacional, que, às suas atribuições constitucionais, que são muitas e graves, acresce o dever de assumir e respeitar o indisfarçável desejo da sociedade em renovar e aperfeiçoar os costumes políticos, deles removendo esses vícios e deformações tão perfeitamente expostos ao cotidiano do cidadão comum. A expectativa de mudanças, a que elegeu o presidente da República, é a mesma que mandou deputados e senadores para Brasília, o que se confirma pela expressiva renovação que o voto popular operou nas duas casas legislativas. Sabemos todos que renovar não é tudo, mas é um largo passo; é uma esperança, quando as práticas já se revelam carcomidas ou cansadas. No que lhe coube, a sociedade expressou-se, de forma inequívoca, por mudar. Se foi para melhorar, a responsabilidade fica com os eleitos.
O clima é também propício para trazer à lembrança uma norma de conduta política que nem sempre se cumpriu, mas tem tudo a ver com a desejada grandeza do Legislativo. Trata-se de exorcizar o excesso das radicalizações, quando elas passam por cima dos interesses da nação. É tomar em conta que os agentes da função política em apoiar o governo ou a ele fazer oposição, esta não dispensável, devem considerar que determinadas questões pontuais são tão flagrantemente a favor do interesse comum ou contra ele, que é impossível admitir que sobrenadem colocações de simpatia, de dependência, muito menos as idiossincrasias de natureza político-partidária. As questões que tratam objetivamente das aspirações populares também devem estar acima de questiúnculas. Nem sempre foi assim, mas - quem sabe? - sangues novos, como esses que estão chegando, não consigam extirpar da tradição o que ela tem de ruim? Sem a intolerância dos ódios e sem a subserviência dos amores em excesso. Tudo em boas medidas.
Adotados o conteúdo e a essência de um projeto, isto não quer dizer que está cassado o direito de o parlamentar discutir diretrizes e propostas para aperfeiçoá-lo. Muitas vezes revelam-se salutares, quando as divergências se dão em relação aos métodos. Sejam os deputados e senadores governistas ou oposicionistas. O mandato se instrui no direito de discordar no todo ou em partes. Um exemplo já agora bate à porta dos gabinetes legislativos: é fora de dúvida que a proposta da reforma da Previdência revela um desafio: filosoficamente indispensável no seu todo, ela não dispensa achegas e retoques para torná-la viável e menos agressiva. Ninguém pode ser acusado de radical, se entender que todas as coisas têm de ser como quer o governo, e só ele querendo. Mas a Previdência é apenas um entre muitos exemplos no campo das proposituras que não comportam birras renitentes e pirraças de deputados da oposição, ou de governistas serviçais do palácio, prontos a engolir tudo. O que se espera é a supremacia do interesse da população sobre tudo que naquelas casas se discutir e se votar.
Sabendo-se que quatro anos se abrem a essa legislatura, sobra-lhe tempo também para caminhar alguns passos rumo à reforma politica; porque se avançar um pouco mais, mesmo que não seja para completar essa obra, as outras, todas importantes, recolhem-se e frustram-se. A política é a mãe das reformas, o seio generoso do qual as demais podem se alimentar.
Diga-se a esses novos parlamentares que as grandes coisas que precisam mudar neste país constituem dever indelegável do Congresso, antes mesmo de dependerem de iniciativas dos poderes Executivo e Judiciário.