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Discursos afinados

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O presidente da República certamente percebeu, já com as experiências adquiridas nas horas iniciais de sua tarefa, que um dos objetivos a alcançar, com a equipe que o cerca, é a sintonia, que se distribui em dois vieses. O primeiro não está entre os mais fáceis e trata de ajustar os projetos prioritários, em torno dos quais deverão se somar todos os ministérios com afinidades em relação aos objetivos pretendidos. Talvez nesse particular tenha evoluído algo nas duas reuniões coletivas do primeiro escalão. Ele precisa de uma coesão no primeiro escalão, nem sempre facilmente alcançável, não coincidente, porque os titulares têm metas próprias e por elas querem se empenhar.

Segundo ponto a ser observado, sem o qual parte do trabalho pode ficar comprometido, é a elaboração dos pontos básicos para o discurso único de governo, de forma a evitar conflitos verbais entre os ministros e o próprio presidente. É o que se dá quando, tratando-se de um mesmo tema ou na definição de estratégias de metas, os pronunciamentos se desencontram, atropelam-se. Não raro vem uma versão diferente para o que o outro havia dito pouco antes. Quanto a este ponto, há razões para se exigir esforço dos colaboradores, evitando-se os remendos e o desconforto de desmentidos camuflados. Como se assistiu, recentemente, no episódio do IOF. Foi mais um caso em que se confundiram ideais e realidades, o desejável com o impossível, o mediato com o imediato, embora o final deva ser um só. E a população fica insegura, sem saber exatamente com quem está a verdade e a razão; e isso pode refletir insegurança coletiva.

Se consentida alguma comparação, por mais grotesca que possa parecer, o ministério seria algo como a orquestra, onde a primeira exigência está na harmonia dos instrumentos e seus executores, porque, se cada qual age ao seu bel-prazer, com percepções pessoais, o resultado haverá de ser uma grande confusão. No caso da experiência governamental recentemente iniciada, há projetos básicos, que se referem à economia, às questões sociais e à segurança pública, setores que requerem, antes que quaisquer outros, uma unidade em relação ao que sobre eles se transmite; sem isso os objetivos saem prejudicados. Pois tem sido exatamente nesses segmentos que se veem os mais frequentes desencontros; palavras contra palavras.

Estranha-se que esse persista em ser um desafio para o novo presidente, até porque seus objetivos são há muito conhecidos e proclamados; propostas nítidas, sejam ou não do agrado da opinião pública e das lideranças políticas. Os representantes e porta-vozes já conhecem a que o Planalto aspira, o que deseja; pelo menos o suficiente para não discursarem inversamente.

Estadistas houve, alguns de sensível influência nos destinos do mundo, vivendo quadras importantes de sua passagem pela História, mas enfrentando reduzida ou nenhuma harmonia entre seus colaboradores; o que faziam ou diziam, levando-os a certas dificuldades e cobrando complicados reparos. Churchill, na fase em que se empenhava para fazer o Parlamento entender que Hitler era um risco a ser enfrentado imediatamente, e De Gaulle, arquitetando a Quinta República francesa, foram dois que padeceram nos momentos de desarmonia e dos discursos conflitantes entre os que os cercavam. Essas particularidades, ainda que tratadas sem profundidade nos capítulos militares de suas biografias, certamente fizeram parte das leituras do capitão Bolsonaro, nos tempos castrenses. Tratando-se de lições proveitosas, a História não se importa em ser repetitiva.

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editorial | jb