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O vizinho acuado

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Nem bem saiu de sua fase inauguratória, e o novo ano, mais apressado do que devia, inclui no nascente calendário uma ameaça de crise, que neste momento não permite melhores previsões. Estamos diante do agravamento do vácuo de relações com a Venezuela, que tanto pode ter passageira duração, como, ao contrário, prolongar-se e desenvolver-se. A decisão do Grupo de Lima, na sexta-feira, de antecipar o não reconhecimento de um novo mandato do presidente Maduro era a gota que faltava para azedar a convivência e ampliar o isolamento daquele país, que já vinha se debatendo com seriíssimos problemas, dos quais o principal é um caos humanitário como ainda não havia sido visto neste sul das Américas. Isolá-lo prolongadamente talvez tenha consequências mais sensíveis que aquelas que varreram a Cuba de Fidel Castro, meio século passado. Nas atuais condições de inanição em que se encontra, o regime de Caracas não tem como ir a um segundo round.

A Venezuela “amadureceu” e se deteriorou perigosamente, queixaram-se recentemente os chanceleres, entre os quais o brasileiro Ernesto Araújo, na segunda incursão internacional do governo Bolsonaro, logo depois de apoiar Jerusalém como capital do estado de Israel.

Com o estreito cerco aos bolivarianos abrem-se três perspectivas importantes, se o problema prosperar, como parece possível de ocorrer. A primeira vem no feitio para aprofundar a responsabilidade do Brasil no episódio, não apenas por ser o maior país abaixo do Equador, mas também - e principalmente – por ter um governo francamente hostil ao presidente Maduro. Não por outra razão insinua-se, como espantosa absurdez, a possível instalação de base militar dos Estados Unidos em nosso território, se nem temos ameaça de guerra em nossos ares.

A segunda consequência, não menos digna de avaliação, é que a recente decisão das chancelarias abre espaço para o presidente Donald Trump e sua Casa Branca aprofundarem interferências na região, projeto que os americanos sentem progredir com a simpatia conquistada ao novo governo brasileiro, além de outras capitais, não menos simpáticas ou tolerantes a essa influência.

O terceiro ponto a pedir cuidadosa reflexão está na inevitável constatação de que o indigitado presidente venezuelano é um homem sem saída. É um dado presente hoje, mais do que antes. Talvez, neste particular, seja atualmente o governante mais acuado do mundo. Vai daí que, asfixiado pelos Estados Unidos e pressionado pelos vizinhos de tradicional paz, que agora lhe dão as costas, ele teria de se valer dos bons préstimos da Rússia, sem que se saiba se Wladimyr Putin, atendendo, se disporia a novo confronto com os americanos, e chamado a assumir o risco das consequências que disso adviriam. Os russos certamente têm na memória aqueles graves dias dos anos 60, quando a instalação de seus mísseis em Cuba quase arrastou a um perigoso conflito internacional, que Kruchev e Kennedy souberam superar; até porque, no fundo, um temia o outro.

Sendo duvidoso que Moscou dê tanta simpatia a Maduro, chegaria à imprudência de comprar um pedaço da briga que não ajudou a criar? Mas se o caso venezuelano ensejar disputa diplomática e de forças entre grandes e pequenos adversários, os chanceleres latino-americanos, entre os quais o brasileiro, estariam prontos para assumir a cota de responsabilidade e saltar nesse perigoso trampolim?

Não é preciso mais nada para se sentir que o ano começa em alta temperatura na América do Sul.

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editorial | jb