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Vender com competência

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Uma dose maior de prudência talvez mereça atenção do governo em relação a dois aspectos que correm paralelos à sua política de concessões e privatização de empresas e serviços. O primeiro é que, tendo assumido tão recentemente, e, portanto, baseando-se, em parte, nas avaliações e estudos herdados da gestão anterior, a assessoria econômica do presidente Bolsonaro precisaria considerar uma readequação das planilhas de valores. Já que os empresariados nacional e estrangeiro têm reagido muito bem às novas linhas a serem adotada, entende-se, consequentemente, que os ativos expostos ampliaram seu patrimônio nas últimas semanas. A pressa do presidente e de seus ministros em cobrir as feridas deixada pelo rombo nas contas públicas não justifica a adoção de atropelos, mesmo que sejam grandes, como sabem todos, as dificuldades do Tesouro. Sobre precipitações nesse campo há lições passadas de privatizações que depreciaram aspectos do processo indenizatório.

O segundo ponto, para contribuir nos temores quanto ao açodamento na campanha de desestatização, refere-se aos direitos que dizem respeito à vida da população. Na ânsia de se livrar de setores que mais consomem do que produzem, não estão sendo suficientemente definidas as responsabilidades dos futuros compradores em relação ao que cobrarão pelos serviços prestados. É um detalhe que não pode ser condenado ao toque de caixa nas negociações preliminares; mas convenientemente discutido à luz do interesse de consumidores e usuários. É o caso, de todo temerário, de permitir a concessionários estabelecer livremente os valores de tarifas. Como definir melhor o que está convencionado chamar de receita-teto de passageiros que embarcam?

O governo anterior pareceu complacente ou pouco cuidadoso, por exemplo, na definição da contrapartida dos pedágios, cedendo facilmente aos argumentos dos interessados, sem cobrar maiores explicações sobre deficiências e sem exigir rigor no cumprimentos de itens importantes. Ainda agora, no mapa da desejada desobrigação federal em relação a trechos essenciais da malha rodoviária, a assessoria do presidente anuncia, com previsão de médio prazo, a relicitação da ligação da Rio – Juiz de Fora, onde perpetuou-se um dos graves exemplos de descumprimento contratual: o trecho alternativo da Serra de Petrópolis, obra prometida há duas décadas, iniciada com passos tímidos e com eles continuou, sem previsão de quando será entregue ao tráfego.

Se levar em conta a quanto tem andado o prejuízo dos usuários, o ministério de Infraestrutura atentaria para certas sutilezas dos contratos, onde as responsabilidades são cobradas, mas sempre capazes de camuflar intenções. Pode se ter como exagero afirmar, mas nesses textos, adredemente longos e minuciosos, a vírgula mal colocada e um adjetivo subserviente prestam-se à enganação, invariavelmente contra os interesses públicos.

A necessidade de cuidados justifica-se, ainda, com a decisão governamental de recorrer à fórmula dos blocos, para com eles apressar a desejada desestatização. Portos e aeroportos estão indo, por atacado, aos pregões, com previsão de seis blocos, o que confirma as intenções a serem adotadas pelo liberal ministro da Economia e os muitos professores que ele teve: o estado ideal é o estado mínimo, longe do campo empresarial, onde não raro o poder público revela total falta de aptidão. Mas o estado tem que aprender com um dogma sempre seguido por empresários compradores: os apressados comem cru.

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editorial | jb