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Cidadania nos governos

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De certo, teria alcançado maior repercussão, não fosse a coincidência com os naturais tumultos de fim de ano, a exortação do Papa Francisco à participação maior e mais ostensiva das sociedades nos seus destinos políticos, por entender que essa responsabilidade não deve caber apenas aos governantes, ainda que sejam eles democraticamente eleitos. É procedente e justificada a reflexão do pontífice, diante da viciosa tendência, em particular nos países menos desenvolvidos politicamente, de se considerar concluída a responsabilidade dos cidadãos, tão logo elegem seus representantes; como se, votando, estariam se libertando de um fardo. Ou nos países em que se ignoram os preceitos democráticos, ficando todas as decisões por conta de quem domina o poder. Tal omissão é que tem feito a política voltar-se para o que se dizia da Velha República, ironicamente: é a arte de não permitir que o povo se intrometa nas coisas que lhe dizem respeito.

A voz do Papa, percebe-se, pode se inscrever entre recentes homilias de valor incontestável. Mas, tendo passado quase em brancas nuvens, por causa de atenções desviadas, seria conveniente retomá-la para análises futuras, dentro e fora da Igreja. “A política é boa, na medida em que cada um contribua com sua parte a serviço da paz “, sentenciou, no momento em que acabava de saudar a chegada do novo ano, época que tem alguma coisa mágica, quando nem ao principal líder espiritual do mundo faltam razões para renovar esperanças. Como não se permite duvidar, a exortação, dirigindo-se a todas as pessoas, certamente busca sensibilizar, por primeiro, aos jovens, para que interfiram nos destinos das sociedades em que vivem e das gerações em que são parte.

Um detalhe a considerar, à margem da pregação que se fez ouvir no Vaticano, é que predomina, em várias partes do mundo, sem que se exclua o Brasil, certa tendência da juventude em limitar e considerar cumprida sua participação com manifestações públicas, quando expõe ideias e convicções, sentindo-se mais que recompensada com isso. Mas é preciso que tome parte nos governos, interfira diretamente. E neles exponha os ideais de seu tempo. Por bem dizer, entrar no jogo, não bastando ser a plateia, porque só no comando das coisas é que a vida em sociedade evolui. Não é concebível flancos abertos a inconveniências e omissões.

Os desgastes produzidos por corrupções e incompetências acabaram levando ao entendimento comum de que a política transformou-se tanto, caminhou de tal forma para o mal, que rapazes de boa família hesitam em “mexer com isso”. Mas é exatamente para se empreender a correção desses rumos que se faz necessário que pessoas de bem entrem em campo, reagindo a que tudo fique ao sabor de governantes, onde, se há bons, também há manipuladores da improbidade, como se sentiu na homilia papal. Já bem antes, nas primeiras décadas do século passado, um antecessor de Francisco, Pio XII, admitia que o progresso do mau é exatamente a ausência dos bons, que se batem em retirada para não se misturarem com a maldade. E já convocava os “agentes da virtude” a entrarem em cena, corajosamente, para mudar os caminhos da Humanidade.

O apelo ganha alguma substância para o momento brasileiro, quando começa um mandato presidencial, homologado por considerável maioria de votos, que não pode ser desconsiderada. Mas nem por isso haveria de se justificar o desinteresse dos cidadãos em participar e interferir, sem deixar que tudo corra por conta do governo e de quem o controla.

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editorial | jb