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Paz na alternância

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Um dos fundamentos da democracia representativa é a alternância que se opera entre ocupantes temporários do poder, se a ele ascendem e o ocupam por manifestação expressa dos povos, e deles se tornaram representantes legais. Hoje, primeiro dia de janeiro e do ano, o país assiste à repetição desse ato, que, antes de tudo, deve ser celebrado como demonstração de que aqui as instituições estão em pleno vigor, sem embargo de divergências políticas ou ideológicas. Se a substituição será para ampliar os horizontes da nação ou torná-los sombrios caberá ao tempo dirimir; mas a sucessão em ordem, instruída por um pleito que teve livre participação, é algo que consagra um dos direitos fundamentais dos brasileiros. O país segue inspirado pelos ditames democráticos.

Para ampliar a grandeza do evento que nesta manhã se dá em Brasília, a transferência da faixa presidencial se fará sem ressentimentos e rancores entre quem cessa a jornada e quem vai iniciá-la. Pelo contrário, o que se constatou inúmeras vezes é que Michel Temer e Jair Bolsonaro têm sido amáveis, trocam cortesias, no que, aliás, cumprem preceitos que identificam pessoas minimamente civilizadas; quanto mais em se tratando de presidentes da República. Desta vez, o intercâmbio de amabilidades foi além, e os colocou juntos em solenidades oficiais, dando a impressão de respeito mútuo entre pessoas que têm responsabilidades frente à primeira magistratura do país.

Bom que seja assim. Mas nem sempre foi assim. Na acidentada infância da República, quando muitos achavam que nem teria valido a pena banir o imperador, o pobre Prudente de Moraes, primeiro civil a chegar ao poder, foi a pé pelas do Rio, tomar posse, suando sob fraque e cartola, pois Floriano Peixoto, que não gostava dele, negou-lhe até a carruagem.

Em 61, antes de chegar ao parlatório do Planalto, Juscelino foi advertido que o discurso de posse do sucessor, Jânio Quadros, incluiria grave acusação de irregularidade no governo, o que acabou não acontecendo, porque o revide seria imediato. Mas ficou uma relação formal e fria, ainda que de curta duração. Muito depois desse episódio, sem que seja necessário desenterrar exemplos tão pretéritos, bastaria lembrar que o general Figueiredo, no apagar das luzes da ditadura, preferiu sair pela porta dos fundos do palácio, para não ter de passar a faixa a José Sarney, que tinha na conta de um presidente acidental, que só nasceu porque Tancredo Neves morreu. Viu a posse pela televisão. Aqui mesmo, nestas terras cariocas, meados da década de 60, Carlos Lacerda renunciou, horas antes, para não ter de passar a governadoria a Negrão de Lima, ato que lhe causava desprazer.

A gentileza, mesmo que restrita aos limites protocolares, não faz mal nas relações entre pessoas que são chamadas a ocupar altas funções na administração pública. Por isso, repugnam gestos grosseiros, como o de Floriano, embora dele não se pudesse esperar algo que não fosse solavanco e descompostura.

Hoje, sabe-se que, se vier a encontrar algo discordante, Bolsonaro deixará para revelar e criticar mais tarde. Pouco provável, dadas as relações e os entrosamentos até aqui conhecidos, sendo revelador o fato de a equipe que se despede ter emplacado nos quadros do novo governo nada menos de sete dos assessores mais qualificados da área econômica. Esse número seria maior, não fosse a ligeireza do governador de São Paulo em esvaziar os principais gabinetes ministeriais.

As relações desta manhã até se ampliarão, se Michel Temer reouver a presidência do MDB, partido que pode fazer diferença no Congresso.

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editorial | jb