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A propósito da grande festa

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O Natal sempre elabora esse mistério de interromper, ainda que por apenas algumas horas, o clima de um ano repleto de ansiedades, para substituí-las por um pouco de esperança, renovando esse sentimento que se tornou universal, mesmo em se tratando de uma festa essencialmente cristã. Chega o dia do reacendimento da expectativa de que a paz e a fraternidade devem continuar merecendo algum esforço. Por isso, não será demais afirmar que a celebração encerra nisso o seu grande valor; como se amanhecesse para lembrar que o bem comum, com um mínimo de dores e de divergências, é inerente à natureza humana. Não foi outra convicção que levou o maior dos pensadores do cristianismo, Tomás de Aquino, a lembrar que todos os seres tendem para a perfeição. O ser humano, “é algo maravilhoso, porque está fora do nada”. Portanto, pode muito mais para o bem do que para o mal. Basta acreditar e tentar.

O principal intérprete desse raciocínio em nossos dias, Papa Francisco, vem insistindo em que o direito de esperar por melhores tempos refere-se, preferencialmente, aos milhares de homens e mulheres que vivem em regiões conflagradas. Não só pela dignidade pessoal de quem tanto sofre, mas também porque é ali, onde as guerras constituem a mais contundente demonstração, prova escancarada diante do mundo, de que representam a maior entre todas as degradações da comunidade internacional. Numa análise lógica, essa paz, em que insiste o espírito natalino, tanto é possível, que nela sempre terminam as guerras. Invariavelmente. Se sabem os governantes e seus povos que em um determinado dia elas acabam, nunca se perpetuam, por que não trazer logo a paz? Mera questão de tempo; tempo suficiente para a superação dos egoísmos, defeito que, sendo possível curar entre as pessoas, pode se alcançar a cura entre as nações; em cada uma das comunidades que são o conteúdo vital da civilização.

O que vale dizer, em análise objetiva: se o mundo globalizado ensejou muitas coisas ruins, e também foi capaz de acertar diferenças e distâncias, que se globalize, igualmente, na harmonia. Francisco, ao refletir, certificar-se de que isso começaria pelo bom uso do poder político na condução dos governos; e a eles caberia, como primeiro passo, não se refugiarem nos nacionalismos exacerbados e intolerantes.

Agora, quanto às pessoas, às individualidades nesse contexto, que sonha em colocar à margem as ansiedades, substituindo-as por novas esperanças. Nesse evento de Belém, também está a apelar aos homens e mulheres “de boa vontade” à vivência profunda do sentido espirital que deseja essa festa, a segunda entre as maiores da Cristandade. Para tanto, bastaria conter um pouco a febre consumista que empobrece a essência da comemoração. Ninguém ignora que, por ter sido desvirtuada, ela responde aos corações, neste dia, com uma estranha dose de tristeza. Para Otto Lara, trata-se de uma pequena luz de misericórdia, “quase sempre disfarçada numa inexplicável tristeza”. Essa luz, ainda segundo ele, resiste a todas as tentativas de apagar aquela estrela que anunciou o grande evento. E insiste, por mais soterrado que vá ficando o Natal no consumismo.

Por fim, mesmo com os tropeços da humanidade, diante da tentação de remover o verdadeiro sentido do Natal, não faltam razões para sorrir diante da vida. Hoje e amanhã. Restam coisas que, felizmente, ainda são muitas para serem colhidas na caminhada que cada um vai empreendendo pela vida.