ASSINE
search button

De volta às armas?

Compartilhar

A tragédia na Catedral de Campinas, onde num gesto tresloucado um homem matou cinco pessoas, antes de suicidar-se, serviu para reacender a velha discussão sobre o porte de armas de fogo. Como sempre, o debate em torno desse tema provoca cisões apaixonadas entre os adeptos do porte, argumentando que o cidadão tem direito de defender-se; e, ao contrário, os temerosos de que a liberação enseja o aumento da violência, longe de extirpá-la. O clima em que prospera a divergência, diga-se de passagem, tem algo a ver com outra questão que, como agora, também ressurge das cinzas, quando ocorre uma tragédia. É a pena de morte, castigo capital e irrecorrível, cuja aplicação é por muitos defendida, como se fosse possível eliminar o crime matando o criminoso. Transposto tal sentimento para o armamento, presume-se que ele seria solução contra a violência.

Nos Estados Unidos a sociedade advoga, com vigor, o direito de o cidadão, em nome de sua liberdade, armar-se para a defesa pessoal. O que não tem sido exatamente bom argumento, pois lá, mais que em qualquer outra parte do mundo, centenas não têm escapado das eliminações sumárias e em massa. Mata-se por atacado, e as vítimas, ainda que estivessem armadas, não teriam como prever a tragédia, a ponto de evitá-la. O americano dos supermercados, nas casas de diversões ou andando nas ruas é trucidado, sem que tenha valor o direito de revide que a lei lhe garante.

O mal essencial do porte de arma é que ele serve muito mais ao criminoso, antes de permitir que o inocente se defenda. O primeiro que nas lojas procura adquiri-la é quase sempre quem tem interesse de matar, sem mandar recado para sua vítima, que morre com o revólver no coldre, o mesmo que serviria para a defesa impossível. É preciso levar em conta a imprevisibilidade, como se viu na calamidade da Catedral: era o louco que estava armado, não os fieis que ali se detiveram em orações.

Deve-se reconhecer que o assunto comporta divergências, a não ser em um único dado, do qual não há como discordar: a liberdade para o cidadão armar-se raramente o leva à defesa da vida, mas sempre a favor dos criminosos, o que pode ser facilmente comprovado nas estatísticas sobre os assassínios, inclusive no Rio de Janeiro: quem dispara é sempre quem vai agredir; o sujeito inocente, avesso à violência, está tocando a vida, sem pensar na pistola na cintura para reagir em condições inferiores.

Os relatórios conhecidos nesse campo, expondo as relações entre membros de uma sociedade tensa e violenta, recomendam cuidadosos estudos. Se justificados estariam em qualquer outra época, principalmente agora, quando vamos entrando na “era do abate”, como sugere o novo governador. Os fluminenses podem estar em véspera de ver institucionalizado esse galardão suspeito, quando os governos federal e estadual sentem-se atraídos pela sentença do olho por olho, quando muito mais importante, seria dizer o que pretendem fazer para evitar que as armas sejam alcançadas pelas mãos dos criminosos que matam; mais importante que chegar aos que são atacados.

Para contribuir no desacorçoamento que parece recomendável, e mais desta vez tomando por base de argumentação a experiência de países que liberam o porte, é oportuno considerar a questão do manejo de revólveres, seja de que tipo ou calibre for. No momento da aflição e da surpresa, a pessoa atacada leva tamanha desvantagem em relação ao bandido treinado e habilidoso, que já entra na refrega condenado a morrer. Por isso, sempre se desconfiou: o tiro pode sair pela culatra.

Tags:

arma | editorial | jb