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Bomba em cavalo de Troia

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Os políticos de modo geral e os futuros participantes do governo Bolsonaro preferiram, até este momento, não oferecer maior revelo ao dramático estudo sobre o quadro financeiro e fiscal do país, sua atualidade e as propostas que, na avaliação da gestão Michel Temer, ficam para os próximos exercícios. Deu-se o nome de Panorama Fiscal Brasileiro, descrito em quase cem páginas, nas quais se leem duas severas advertências, suficientes para roubar o sono do futuro presidente. A primeira das quais mostra que, seja o que tiver de ser feito, terá a impopularidade como indesejada consequência agregada. Significa confessar tratar-se de receituário pronto para causar a repulsa da nação, que, em verdade, nem seria grande novidade, pois os remédios que o governo prescreve sempre doem na sua grande variedade; vão dos xaropes amargos às cirurgias mais dolorosas.

Outra revelação desse petardo que está sendo atirado sobre as costas do futuro presidente é que Temer sequer ousou encarar uma ou algumas das medidas que agora, no apagar de suas luzes, define como tarefa do sucessor e de sua assessoria econômica. Certamente, sem precisar ser adivinho, não quis ele aprofundar seus índices de desaprovação, que prosperaram bastante nos últimos meses.

Tarefas a serem cumpridas ficam, portanto, na dependência da disposição do governo seguinte, que, ao encará-las, não poderá abrir mão de suficiente armadura para enfrentar a onda de desgostos e protestos. Nem se sabe se as guaritas políticas do palácio seriam suficientemente fortes para o bombardeio.

Bem avaliadas, as propostas desse “Panorama” elaborado pela equipe do ministro da Fazenda, como cruel herança deixada pelos que vivem estertores de um acidentado enredo, também se assemelham, tais propostas, a fantasmas que repentinamente chegam para assustar e produzir calafrios. Tudo que o cidadão brasileiro não quer ouvir – o muito rico, o médio ou o muito pobre – é pagar mais imposto; não sem razão, pois vive em país que mantém uma das mais pesadas cargas tributárias do mundo. Nem é preciso lembrar que, não obstante esse peso, a utilização de seus recursos deixa muito a desejar.

Uma unanimidade. O sinistro documento tem o condão de produzir desagrado geral. Os ricos, porque, segundo esse cavalo de Troia que Temer quer amarrar no terreiro de seu sucessor, são contemplados como alíquotas mais salgadas, quando os expedientes para a sonegação perdem a antiga eficácia. Os contribuintes da classe média, que acabam por sofrer direta ou indiretamente, o grande sufoco, também poderão assistir ao advento da universidade paga; ainda que a gratuidade contribua para isentar os que já são ricos. E para os pobres, terceiro segmento social sempre chamado a emprestar sacrifícios? Tudo ficando mais caro, continuará sofrendo estilhaços desse petardo do governo em final de carreira. São os que nem conseguem sonegar, porque nos descontos na fonte são obrigados a deixam a fatia do governo antes mesmo de receber o bolo. Mais agora, propõe-se a redução das deduções do IR aos que forem além dos 65 anos. Nem escaparia quem ganha um pouco mais, sob alíquota de 35% a quem percebe R$ 300 mil anuais.

Com a devida licença dos especialistas do governo, sem tentar dar conotação irônica a esse pacote de perversões, assunto que tem muito de tragédia e nada de comédia, dir-se-ia, ao cabo e ao resto, que o conjunto de medidas propostas tem, em verdade, uma virtude democrática. Consegue irritar a todos. O que não impede, antes recomenda, uma avaliação mais cuidadosa do que está sendo tratado como essencial. Ora, se tão importante e indispensável, por que esse circunstancial governo Temer, nos seus dois anos e meio, não deu um único passo nessa direção?