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A nação de deslocados

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Uma razão a mais para preocupar o mundo acaba de ser revelada pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, referindo-se às populações que se deslocam de seus países para desfrutar, em outras plagas, o último dos direitos que lhes concede a dignidade humana: não morrer de fome e não morrer como vítimas inocentes de guerras fratricidas. Se o problema não constitui novidade, pois arrasta-se há décadas, revelam-se agora aspectos que o agravam, de tal forma que esse fantástico e permanente deslocamento não pode mais ser limitado ao terreno de um assistencialismo misericordioso. Diz o relato da Conferência sobre o Pacto da Migração que são 128 milhões de pessoas morando em terras diferentes; vale dizer, uma população superior à maioria dos países organizados. Constituiu-se, sem que ninguém desejasse, esse nação multirracial; terra dos que tiveram de abandonar a nacionalidade. As consequências mediatas logo serão da maior gravidade.

Migração e imigração subiram ao patamar dos grandes e greves desafios internacionais, como agora se reconhece oficialmente. O desdobramento inevitável desse reconhecimento é dar ao problema um status capaz de convocar os governos, independentemente de sua formação política, a um esforço coletivo para solucioná-lo; ou, sendo demais assim pedir, que, pelo menos, sejam procuradas formas de conter os efeitos mais danosos, que são muitos. Aqui mesmo, o Brasil vive dificuldades em relação aos venezuelanos que fogem de seu país caótico. E a experiência local nem tem a dimensão da que enfrentam os europeus. Não se compara. Mesmo assim, o governo Bolsonaro anuncia que não tem omo dar apoio aos deslocados.

Alastra-se a tragédia, que tem uma cota localizada na América Central, onde se vê a marcha da ansiedade que empreendem pobres e desempregados, e avançam sobre o México, esperando romper a barreira mais difícil e chegar aos Estados Unidos, onde veem uma espécie de Canaã, terra prometida, mas de fronteira fechada. Não se sabe, até este momento, se a Organização dos Estados Americanos percebe que a tragédia atravessou o Atlântico, desafia a América Central, corre para a Venezuela, além da ameaça de se estender a outras regiões. Os mais rigorosos nessa análise vão longe, para dizer que a carência de perspectivas no Brasil também exporta milhares para Portugal; mas aqui o caso é diferente: a luta é para ganha a vida; nos outros países a fuga é para não perdê-la. Tentar essa comparação é má vontade para superestimar nossos problemas. Podemos ter desesperança, o que é muito diferente de desespero.

Admitindo-se como inevitável uma participação mais vigorosa das Nações Unidas no exame do problema, considerado-se que ele já ganhou foros universais, o primeiro ponto a considerar é que abandonar o solo em que nasceram e vivem é um particular sofrimento para crianças e mulheres, sobretudo estas, com dificuldades para obter emprego; nem podem cuidar das coisas domésticas, porque lares não há. As casas em que viviam, antes da fuga, foram substituídas por guetos, o que na Europa está fazendo lembrar momentos indesejados do nazismo.

Há que se cuidar, portanto, de apressar a adaptação desses recém-chegados, deixando de lado a esperança de que essas massas humanas retornarão aos seus lugares de origem; possibilidade remota, porque mesmo que cessem as guerras que os expulsaram, a reconstrução do que se destruiu e a superação da fome e das doenças continuarão sendo permanente fonte de desânimo. Poucos se animam a partir para a empreitada da volta ao passado, depois de aprenderem que a melhor pátria é aquela em que não há guerra, ainda que a paz não seja total onde ganharam abrigo.