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A sina do vice

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São antigas, algumas vezes temperadas ou mais aquecidas do que convêm, as relações tumultuadas entre os presidentes da República e seus vices, o que, em parte, pode ser debitado à falta de maiores clarezas na definição de atribuições ao substituto; limites e deveres, que estariam além de eventuais ocupações a quem se sentar na cadeira do titular. Tamanhas as evidências, que não faltaram antigas iniciativas no Congresso para adequar a natureza dessas responsabilidades, todas emperradas por desacordo entre as bancadas.

Observe-se que no raciocínio parlamentar sempre predomina a ideia de que é preciso cuidar apenas de quem está comandando no momento. Essa mesma tendência é idêntica em outros países democráticos, mas não devia ser assim no Brasil, quando temos a história republicana a advertir que metade dela foi escrita pelos vice-presidentes, com agravante de terem assumido em horas delicadíssimas. Não podem ser desconsiderados, principalmente quando não economizam opiniões.

Há vices de todo feitio, de diferentes estruturas morais e éticas, como também existem os cultos e o toscos. Há os que procuram passar pelo cargo discretamente, dispostos a não ir além do que pode determinar uma tragédia imprevisível, e preferem reservar-se. Certamente entre estes não figura o general Mourão, que também assume em janeiro, com atlética e juvenil disposição de influir e decidir; o que poderia, afinal, acontecer, dependendo da concessão do titular: o antigo capitão mais que o general ou este igual ao presidente? Esses detalhes devem ser convenientemente avaliados, com os deveres bem distribuídos, para que o país não se veja atormentado por desnecessários impasses na linha que define onde ambos devem saber quando começam suas ações e terminam seus limites.

Quando se peca por descuidar daqueles limites, mais ainda quando o sucessor incursiona opiniões que contrariam setores do próprio governo em que toma parte, ou quando promove cizânia e desarmonia nas questões essenciais, é preciso estar atento. No começo da República, quando ela ainda no berço, com fraudas molhadas, Floriano se revelava o vice discordante, o que viria a estimular sua veia golpista. Manuel Vitorino muitas vezes tiraria o sossego de Prudente, Café Filho ajudou animadamente a enfraquecer Vargas, Jango não se esforçou para conter a paranoia de Jânio Quadros. João Figueiredo e Aureliano Chaves mal se olhavam, quando chegavam ao final do mandato. Itamar e Collor logo descobriram que não podiam se dar bem.

Pouco ou muito, quando o titular e o eventual batalham, mesmo sem sair da vozearia, o governo, de modo geral, arca com prejuízos; e disso também a história política do país pode dar ciência.

Uma distorção que aqui perdura, e se revela outro ponto que o texto constitucional devia examinar, é que o vice serve para suceder, quando for o caso; não para substituir em brevíssimas ausências, como nas viagens de um ou dois dias, em que o cargo é transferido a um presidente passageiro, cuja interinidade nada permite fazer, além de lhe caber o cafezinho durante despachos desnecessários ou adiáveis. O chefe do governo vai hoje cedo a Montevideu, volta à noite, e por tão pouco o país tem novo presidente… Com tal singularidade não se vê isso em outro lugar.

De volta ao caso da hora, o que mais interessa e preocupa. O cargo de vice tem sua independência, como se defende o general Mourão. Observe-se, contudo, que é independente sem ferir regras e políticos que aceitou acompanhar, a começar pelo presidente. Tem o respaldo do voto do eleitorado, mas atrelado ao titular e a ele dependente. O que divergir disso seria bom para o governo remover, antes de começar recepcionado por entreveros internos.