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Entre a cruz e a espada

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A expressiva presença de militares aposentados e evangélicos na montagem dos primeiros postos de comando federal, quando vai se aproximando a hora do governo Bolsonaro, tem despertado preocupação e comentários sobre a dimensão da influência que poderão ter na conduta da administração e nos destinos do mandato presidencial. O país entre a cruz dos neopentecostais e a espada dos militares. É uma possibilidade que tem excitado alguns grupos políticos nas últimas semanas, mesmo sabendo a maioria que a moderna concepção de gestão pública não admite influenciar-se por condutas ideológicas, religiosas ou pelo corporativismo castrense. No atual momento de transição a preocupação só faria sentido se, no futuro, homens já sem farda e sem comando trabalhassem para transformar os gabinetes em caserna, o que seria um delírio.

Sem tentar contornar a realidade eleitoral a que há pouco assistimos, considere-se que são inevitáveis a presença e a influência evangélicas, pois seus pregadores deram apoio expressivo ao então candidato do PSL. Foi uma adesão em massa, não sendo correto o que alguns entendem ter sido apoio relativo e setorial. Essa participação se revelou ainda mais ostensiva, quando outros segmentos cristãos preferiram se manter discretos, salvo preferências sutis. Não há, portanto, como deixar de ouvi-los. O que se exige das responsabilidades do presidente é não permitir que seus pastores se transformem em condôminos do poder.

Há um cuidado a ser considerado e devidamente pesado. Da mesma forma como se repudia eventual loteamento de poderes entre favoritos, é preciso tomar na devida conta que essas pessoas arregimentadas não podem ser objeto de resistências preconceituosas. Não podem ser banidas só por causa da fé religiosa ou só pela profissão que exerceram no passado. O que justificaria preocupação são os excessos de preferências na escolha de detentores de cargos, muitas vezes à revelia de competência, principalmente quando há sinais de imposição de ideias extremadas, que conflitam com a natureza de um país plural e livre. De qualquer presidente cobra-se atenção para essa questão delicada, e o senhor Bolsonaro certamente não constitui exceção.

A realidade eleitoral a que acabamos de assistir é um fato político, sem estar excluída na composição do governo. É o que explica a inevitável presença de seitas, que hoje comandam multidões de fiéis, e com eles deram apoio expressivo ao então candidato do PSL. Por mais triste que seja constatar e confessar, esse é o jogo. Lula e Dilma não foram menos acessíveis, tendo o PRD de Edir Macedo como intermediário na definição de cargos. Na política, ao contrário do que se prega aos crentes, os últimos nunca são os primeiros. Não há, portanto, como deixar de ouvi-las, o que não significa tolerar seu predomínio.

Quanto aos oficiais militares, alguns chamados a assumir cargos nem sempre diretamente identificados com as Forças Armadas, mas em cadeiras estratégicas do primeiro escalão, há uma tentativa de explicar: o presidente Bolsonaro tem origem militar, nunca negou essa procedência; pelo contrário, não perde oportunidade de expressá-la. Conhece seus camaradas de farda, igualmente aposentados; conhece-os melhor que os pares com quem há anos conviveu na Câmara dos Deputados. Se chega à chefia da nação, não pode surpreender a decisão que toma de chamar generais e outros oficiais para ajudá-lo. Talvez não precisasse de tantos generais, considerando-se que se trata de um poder civil…

Suspeita-se que a um ou dois entre os convocados caberia a tarefa de dialogar produtivamente com políticos. Duvidoso. O mesmo processo tentou-se, sem êxito no sombrio 64. Mas naquele tempo os generais não precisavam insistir muito no diálogo. Prendia-se, fechava-se o Congresso. Missão dada como cumprida.