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Discursos no desencontro

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Um dos temas que envolvem estes primeiros dias de tentativa de formação do governo, em que não faltam avanços e retrocessos, faz lembrar velho ditado irlandês, cujo fundamento moral está em que nada é tão ruim que não possa piorar. Mas o que nisso há de lição os chineses já ensinavam séculos passados, com permanente sabedoria. Vem a propósito de setores que criticavam suporte ideológico no sistema que se pretende para o ensino do país. Se antes o que se temia era uma sutil influência dos esquerdistas, caminhamos agora, numa reviravolta em todos os graus, para um discurso de direita pouco tolerante, mas de concepções radicais e um certo moralismo monástico.

Quando escolhido para assumir o ministério da Educação, o professor Mozart, apesar das credenciais, foi decapitado pelos evangélicos, que, animados pelo irmão presidente, viram nele nenhuma identidade ideológica. Vestiram a toga inquisitorial, à moda do Santo Ofício, o que nos conduz a um notável retrocesso. Na contramão, vem o professor Vélez e determina uma grande guinada no campo das concepções, e anuncia o propósito de “remover o entulho marxista” que identifica na Educação. Assiste-se, então, a um torneio de interpretações ideológicas.

Convenhamos, como na percepção dos antigos irlandeses, que na política nacional as coisas sempre tendem a piorar, quando nelas se mexe, como se dá no caso em tela, com agravante de interpretações extremadas, que estão a reclamar intervenção do presidente eleito, desautorizando esses embates nas próprias linhas do governo e na intimidade da organização da equipe. Nenhum país precisa ter seu projeto inflado por discursos extremados.

Também já caberia a ele, sem que tenha de aguardar a diplomação e a posse, elaborar o discurso básico que identifique seus colaboradores. A primeira realidade capaz de manter o governo unido é a unidade da palavra. É por aí que se revela a seriedade de intento pressupostos. A palavra, condutora de ideias e de propósitos, não pode discrepar.

Um breve retrocesso das coisas que têm sido ditas, nem sempre bem ditas: um fala em vasto programa de desapropriações, e outro, com autoridade semelhante, garante que não deve ser bem assim; um futuro ministro pensa em exame para revalidação do exercício da profissão médica, e o próprio presidente reage: nada disso. Se um neobrasileiro é convidado para a Educação e vê os comunistas de foice e martelo avançando sobre os colégios e universidades, os temores ficam longe da deseja prudência na fixação de linhas e normas já propostas para um setor que reclama rigorosa prioridade. Muitos cuidados e nenhuma precipitação seriam conduta salutar para a organização da estrutura governamental.

Pelas perguntas que em geral lhe são apresentadas, certamente o presidente eleito percebe que em sua grande maioria elas resultam de incertezas que a mídia colhe no contato com as ruas e entidades representativas. Dúvidas encontradiças no seio da população, geradas por coisas diferentes ouvidas de um mesmo governo. É problema que só se remove se o presidente – ele, e mais ninguém – der o tom da orquestra que estará regendo na abertura do novo ano. Afinada, com cada instrumento no seu devido lugar, e sob o comando de pessoas fiéis a uma única partitura política.

Por mais que sejam compreensíveis, no estágio da formação do ministério, ideias e pronunciamentos nem sempre acordados, um mínimo de conexão faz-se salutar. Ora, se ao futuro governo já se cobrará esforço para contrariar a tribuna oposicionista, quanto maior será seu sacrifício se tiver de policiar as próprias fileiras para que não divirjam na arte de dizer.