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Bom uso das fronteiras

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Costumeiramente atraído por temas polêmicos, o presidente eleito programa-se para propor novo modelo de convivência com estrangeiros que chegam, um relacionamento que lhe parece ter sido realizado, até agora, de forma descontrolada ou deturpada. É o que o leva a concluir que, na prática, o Brasil é um país que não tem fronteiras respeitadas. E, ante a necessidade de se estabelecer algum critério, não nega que seu governo, nesse particular, estaria se espelhando em experiências europeias. Se assim continuar desejando, o que vier a adotar careceria do devido cuidado, porque para o Velho Mundo correm as vítimas das guerras, da fome e das hostilidades políticas. No Brasil, em geral, os que chegam têm outros propósitos. O desembarque em massa de venezuelanos é uma exceção na linha de nossa capacidade de receber.

Cabe considerar que o país, desde a abertura de seus portos, tem sido privilegiado em relação aos processos imigratórios. Os germânicos e os japoneses, como também italianos, sírios e libaneses, trouxeram consigo relevante contribuição para o desenvolvimento nacional, tanto mais acentuada quanto foi o número dos que optaram pelas terras daqui. Os estados do Sul, por exemplo, tiveram e ainda têm de reconhecer o fruto do trabalho de colonos no campo, como também dos que abraçaram, nos grandes centros, o nascente processo industrial. E essa participação certamente teria sido ainda maior se a História houvesse permitido uma permanência mais longa dos holandeses no Nordeste.

Essas referências de um passado não tão remoto sugerem que o futuro governo cuide dessa matéria com especial atenção, sem discriminações étnicas, que seriam odiosas, da mesma forma como se repelem restrições quanto a crenças religiosas e convicções políticas. O próprio Bolsonaro disso pode fazer uma profissão de fé ou homenagem à descendência, pois ainda correm em suas veias um pouco do sangue italiano importado das distantes Rovigo e Padova.

Duvidoso seria adotar semelhanças externas, porque diferença abismal separa as experiências brasileira e europeia no campo da imigração. Se lá milhares aportam em busca de socorro, aqui vêm com disposição para trabalhar e ficar; não apenas para esperar que novos tempos acenem com a volta ao país de origem. Para confirmar a adesão definitiva, dir-se-ia que não há um só capítulo do labor deste país em que não se identifique a impressão digital do estrangeiro. E de tal maneira isso se deu, que caberia aos nacionais permanentes graças aos céus, como sugeria o ministro Aranha.

Queixa-se o presidente Bolsonaro da legislação que descuidou das fronteiras, o que não pode ser negado. Mas o defeito que a elas deve ser debitado é que permitem, amplamente abertas, acesso a criminosos, traficantes e contrabandistas. Os indesejáveis aqui entram e daqui saem sob total tranquilidade, sem terem de se submeter às leis; estas sempre exigentes em relação aos estrangeiros de bem.

Não menos importante – e também aí avulta a questão estrangeira – atentar para as funções e prerrogativas com que têm sido contempladas algumas ONGs inspiradas em instituições de outros países, raramente fiscalizadas, mas com tratamentos diferenciados; e são autorizadas a cumprir leis de outros países, mesmo conflitando com os interesses nacionais. O fato de não serem governamentais não as dispensa de estarem sob os olhares atentos de quem promete inovar nas relações com tudo que vem de fora, e que nem sempre nos convém.