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A República enferma

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Não tão longeva nos seus 129 anos; na verdade jovem, perante muitas outras, nossa República não logrou escapar de grandes turbulências, o que em grande parte já se debitou ao modelo pouco consistente que se adotou para substituir a monarquia. Hoje, pode-se dizer, mais do que nunca, ela não tem se prestado a encaminhar soluções aos grandes problemas da nacionalidade. E acresce a acompanhá-la uma história de acidentes e inseguranças, desde seu primeiro instante, pois seu criador, Deodoro, febril e debilitado, não sabia naquela manhã de 15 de novembro o que realmente estava fazendo, e se quedou desolado, ao saber que acabara de derrubar seu amigo Pedro II. Não foi, portanto, uma inauguração que pudesse ser definida como das melhores.

Desde aquele 1889, raros foram os momentos de absoluta tranquilidade política e social; momentos e episódios que certamente não teriam se prolongado e se repetido tão frequentemente se, além da origem instável, a República nascesse sem o viés presidencialista. Se ontem já revelava-se duvidoso o modelo, não há como desconhecer que o presidencialismo veio se esgotando com o tempo, graças a “um conjunto de mazelas que circundam a moldura institucional”, no dizer de Michel Temer, prestes a encerrar sua experiência nesse campo de tantas turbulências. Bem antes dele, o insuspeito Rui Barbosa havia assinalado a “ditadura do Estado crônico”.

Em meio a disfuncionalidades e acidentes golpistas, a República, hoje aniversariante, já tivera, como pecado agravado, a substituição do Estado unitário por uma federação inconclusa, mal definida por quem admitia que bastava pôr o imperador fora de nossas águas, e tudo estaria bem. E ainda cuidou de desmentir-se na Constituição que a seguiu, um ano depois, garantindo, no artigo 72, o que não se cumpria na primeira hora, como não se cumpriu até ontem: “A República não admite privilégios de nascimento”.

De tal forma acidentada – sete dissoluções do Congresso, quatro governos provisórios, duas renúncias, dois presidentes impedidos de tomar posse, cinco presidentes depostos, oito governos autoritários, 19 rebeliões militares – o que poderia sanar, ou, pelo menos, reduzir as enfermidades republicanas são duas profundas cirurgias, que a cada dia mais confirmam sua necessidade: o parlamentarismo e o pacto federativo, associados ou introduzidos separadamente. Nada mais eficaz que isso para imunizá-la contra os males que a contemplam em períodos diversos, como o afogamento dos valores institucionais, sendo mais recente exemplo o que sobreveio em 64.

Sendo raríssimos os que prescrevem soluções diferentes, suscita estranheza que, tantas vezes mostrados os caminhos; e se quase todos concordam essencialmente com a receita, o que então estaria impedindo de adotá-la? Por princípio, é de justiça denunciar a ausência dos partidos políticos, aos quais se atribuiria a responsabilidade de despertar a sociedade para acatar as duas iniciativas salvadoras. Mas, para tanto, continuam se mostrando impotentes, sem que se possa identificar sinal de um ânimo futuro. Considerando-se a atual organização que os rege, é difícil esperar algo melhor.

O tempo passa, também passam os governantes e as gerações, e a pobre República nada mais tem feito, que não revelar-se carente de agudas intervenções que corrijam antigos defeitos, causados não propriamente pela idade, o que até contribuiria para o seu aperfeiçoamento, mas por falta de cuidados e reparos. O que é uma pena.