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Um discurso unificado

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Ainda não se encontra perfeitamente traçado o perfil do ministério que em janeiro assumirá com o presidente Bolsonaro; até porque alguns nomes são desconhecidos ou ainda mantidos em reserva, dependentes de consultas junto aos partidos e grupos remanescentes da campanha eleitoral. O que se tem sinalizado é que haverá um esforço para manter distante, tanto quanto possível, a influência de políticos que reclamam compensações; mas sabem todos como isso é difícil, porque o mesmo apoio imprescindível na campanha eleitoral não será menos expressivo na construção da base parlamentar.

Contudo, a questão objetiva que se pretende em relação ao novo ministério, quem quer que venha a integrá-lo, é adotar, já em sua primeira reunião, nem precisa aguardar a solenidade de posse, o discurso único para os participantes desse primeiro escalão. Seria a primeira coisa que o presidente tem direito de cobrar de colaboradores imediatos. Sendo assim, ficaria superado o defeito a que estamos assistindo nas declarações de assessores e porta-vozes, dizendo coisas desencontradas, com predomínio de ideias pessoais, não raro em conflito com pensamentos expostos pelo próprio presidente. É o que está reclamando a definição das linhas do ideário do futuro governo.

Talvez um primeiro passo, para servir de modelo e inspiração a todos que serão chamados a colaborar, esteja no alinhamento do que costuma dizer, quase sempre com singular desembaraço, o vice-presidente eleito. O general Mourão manifesta rapidamente tudo que pensa, atributo definido como sinceridade, mas pode levar o governo a viver momentos delicados. O capitão precisa pedir ao general que seja cuidadoso com a oposição, atenta para pinçar pedaços de suas entrevistas e replicá-los em cima do governo.

A fixação dos discursos que definam o que o Executivo pretende fazer ou não é quase tão importante como as metas a serem propostas. Porque quando homens e mulheres que governam dizem coisas conflituosas ou divergem em relação a objetivos essenciais, a população desconfia, porque sabe que, tanto como se atesta na organização familiar, se os palácios e seus hóspedes não se entendem, é inevitável a torre de Babel. O presidente eleito faria bem se considerasse uma experiência sofrida por alguns governantes que o antecederam na História: na casa onde cada um diz o que pensa, é porque ninguém tem razão.

As semanas que antecedem a passagem de comando em Brasília têm sido pródigas em muitas ideias isoladas, não raro atropeladas, algumas carentes de um mínimo de identidade com os recursos em disponibilidade para o governo que vai se inaugurar; mas falta ao presidente eleito revelar um projeto para o Brasil, que não seja apenas a coleção de medidas e ações que podem ser importantes, mas ficam na conta dos varejos. É bom tirar os ratos do porão, limpar a imundície da corrupção, salvar a Previdência em risco de soçobrar; é bom que se faça tudo isso, mas temos que preparar gerações pela frente, e é forçoso cuidar da inserção do Brasil no concerto das grandes nações. Para tanto, seria pouco e simplório achar que basta eliminar bandidos, como se isso fosse o bastante para fazer o país feliz.

Esse projeto seria coordenar linhas definitivas para o nosso caminhar no futuro, com propósitos instruídos no modelo sociocultural que construímos em meio milênio de História. Em suma, traçar um roteiro para o que pretende e a que aspire este Brasil, potencialmente preparado para grandes horizontes. A ascensão do país depende para si de um rumo. Um norte, tal como o presidente eleito considera já ter identificado na Constituição, que em breve estará jurando obedecer.