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O Brasil recosturado

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A inevitável reforma da Previdência, ainda que parcimoniosa e modesta, galgou a primeira entre todas as prioridades de Bolsonaro (tão urgente, que pede ao governo a que vai suceder dar o primeiro passo na tramitação), e é assunto que tem tudo para render novas e acaloradas discussões. Uma ressalva é que há tendência a considerar, com base nesta e em outras questões emergentes, que só dificuldades estarão aguardando o novo presidente na rampa do Palácio do Planalto. Mas, mesmo que seja real, sempre restará alguma coisa para compensar os suores, como alguns índices, ainda que modestos, na redução das pressões sociais em área de grande pobreza. E o Bolsa Família, que nos últimos anos ajustou duas vezes a base do benefício, fez melhor ainda ao agregar um programa suplementar para oferecer encaminhamento profissionalizante aos jovens das famílias carentes. Um passo para superar, no futuro, o assistencialismo que carrega muito de humilhação a quem recebe. O avanço contra a pobreza é o que informa o IBGE, na cota que lhe coube para avaliar o que aconteceu nos 30 anos da Constituição de 88.

Mas antes de dar trato ao fardo e às responsabilidades que vai assumir, seria de todo proveitoso que o presidente atinasse para a origem comum a vários dos nossos problemas, em lista logo encabeçada pelos bolsões da miséria renitente. Para tanto, é preciso repensar o Brasil, despertando-o de sua sonolenta vocação federativa, a fim de que estados e regiões se sintam membros de um mesmo corpo; não como hoje, com as unidades ditas federativas parecendo estrangeiras, unidas quase que apenas pelo idioma, cada qual cuidando da própria pele, longe da desejada política de incorporação dos objetivos nacionais. Valeria dar nova costura ao mapa, com linhas que apertem mais as divisas. Primeiro passo para reduzir diferenças e cuidar de convivência produtiva.

Sobre o que o presidente eleito Jair Bolsonaro pensa a respeito ainda é pouco. O que se sabe vem de estratégia militar para a defesa da unidade nacional; o que não é pouco, e, aplicada para se tornar tática, pode levar a bons resultados, quando obras e serviços de interesse geral passarem sob o crivo da segurança interna e externa. Mas de maneira idêntica às preocupações com a defesa e a ordem, a unidade nacional requer uma visão de natureza política, cobrada dos governos anteriores, sem lograr melhores atenções.

Se o problema fica transferido para a agenda de Bolsonaro, depois de se saber exatamente o que pensa a respeito, caberia lembrar que longas discussões sobre a matéria sempre levaram, conclusivamente, que o caminho, sem atalhos e sem variantes, está em um novo pacto federativo. O que significa conduzir o país ao espírito de unidade, não apenas como proposta romântica e conteúdos superficiais, mas com objetivos, a começar pela unificação de políticas de estímulo industrial e a eliminação das graves diferenças fiscais.

Se o presidente se detiver na análise do recente comportamento eleitoral, já pode perceber, se é que ainda não percebeu, que as regiões brasileiras se antagonizam no que desejam e na maneira de encarar responsabilidades governamentais. A começar pelas urnas, diametralmente opostas, o Nordeste e o Norte mostram diferenças em relação a outras regiões. Para o Sul e o Sudeste, aqueles parecem estranhos. Não apenas em relação a candidatos e partidos, mas na maneira de olhar o país comum a todos.

O reclamado pacto federativo, mesmo se acolhido por Bolsonaro, é obra grandiosa demais para se dar por completa nos limites do tempo de seu mandato; mas se ele calçar a bota e começar a caminhada já terá feito alguma coisa.