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Cartas à mesa

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Aos poucos vão desaparecendo o recato e a prudência, antes recomendados pelos analistas e políticos de modo geral, para definir as ações do novo governo como promotor de ampla derivação para a direita, mesmo que, pessoalmente, o presidente e seus auxiliares mais próximos disso não fizessem segredo. Mas, antes mesmo de eles se instalarem, chegam definições mais claras, sem grandes sigilos. Portanto, eis um governo verdadeiramente direitista, que indica estar pronto para assumir o ônus desse direcionamento; e, certamente, esperando que lhe renda benefícios num mundo que também tem deixado se levar por essa inclinação. É um fenômeno que aqui e no resto do mundo continua a merecer cuidadosa reflexão, depois de uma larga experiência das décadas mais recentes a insinuar que o ser de direita ou esquerda já não tinha mais o poder de estigmatizar. Dão-nos o melhor exemplo os parceiros comerciais chineses, que guardam Mao no coração e muitos dinheiros no bolso. São muitas vezes trilionários, sem permitir que lealdades ideológicas avancem além do que devem e podem; em contraste com outros tempos vermelhos, que nem vão tão distantes.

Nas primeiras pinceladas do perfil do governo Bolsonaro, a primeira impressão é que a direita prosperou como legado de caserna, onde o presidente teve sua formação, sem abandoná-la quando se viu guindado ao mandato parlamentar. Em permanente continência e posição de sentido, diriam os velhos camaradas do capitão. Os adversários do PT e do petismo, longes de qualquer quartel, embarcaram de carona.

Mas tudo o que se sabe a respeito ainda é produto dos discursos, um treino para o jogo que começa em janeiro. Treino é treino, jogo é jogo, já disse uma autoridade no assunto. Quando assumir, convivendo com realidades concretas, certamente alguns desejos podem ser esquecidos, como o rompimento de relações com Cuba. Alega-se que a ilha vive sob ditadura, uma conclusão extemporânea, pois os cubanos têm caminhado para a reabertura democrática. Uma sanção diplomática de certo valeria se Bolsonaro houvesse chegado nos dias de rigores dos irmãos Castro.

Digladiando ele com a realidade, será cobrado preservar o interesse comercial e diplomático, sem que prevaleçam influências de simpatias exclusivistas que discriminam ideologicamente. Como, de resto, comportam-se todos os países, por mais radicais que se mostrem no confronto com as diferenças. Aqui, o que se teme é a intenção de aprofundar cada vez argumentos frágeis para separar e distanciar.

Outra característica que surge como ameaça é a celeridade nas decisões quanto à política externa, exatamente uma área governamental em que elas têm de ser bem pensadas e amadurecidas, sem a pressa só cabível em tempos de guerra, porque aí as questões são de vida ou morte. Uma das virtudes da paz, sem bombas espoucando, é poder pesar e decidir com calma os interesses do país frente às nações do mundo inteiro.

Por essas e outras razões cerca-se de grande interesse a definição das linhas que conduzirão a política externa, quando se espera a adoção de condutas menos sentimentais e mais pragmáticas em relação aos interesses externos do Brasil. E, sob orientação presidencial, promovam-se maiores afagos com o pedaço do mundo que se posiciona à esquerda; não ignorar que o outro pedaço compra, vende e influi. Percebe-se que esta é questão que vai assumindo preocupações nos meios produtores, e também os políticos mais avessos a definições de natureza ideológica inspiradas na radicalização. Empatias exageradas ou reservas alimentadas na intolerância não têm a ver com o jeito brasileiro.