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O caminho das pedras

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Mais que uma troca de cordialidades, o encontro que terão, amanhã, o presidente Michel Temer e seu sucessor, Jair Bolsonaro, tem tudo para render informações úteis sobre os primeiros passos do novo governo, que chega herdando dificuldades não vencidas, bem como compromissos que se tornam mais graves por exigirem soluções urgentes, além do possível encaminhamento da reforma da Previdência, cuja tramitação o próximo governo pleiteia que aconteça antes de janeiro. Tendo sido vice de uma presidente que não era exatamente de seu feitio, a quem substituiu para assumir a Presidência da República em momento de conturbação política, e depois severamente boicotado pela chapa em que se elegeu, é certo que Temer tem o que ensinar sobre as águas em que um presidente navega durante tempestades. Não seria exagerar a dimensão dos fatos dos recentes dois anos, se disser que o atual governo não teve um único momento de tranquilidade, mesmo quando veio aos meios de comunicação para mostrar resultados positivos de ações ministeriais.

Bolsonaro não teve o apoio de Temer, que preferiu manter-se recolhido durante a campanha, sem se animar nem mesmo em defesa do candidato de seu partido. Mas a fragorosa derrota imposta aos seus adversários petistas seria algo para guardar amistosa simpatia em relação ao vencedor do dia 28. Uma razão a mais para justificar um ambiente nada hostil na reunião das próximas horas em Brasília.

Uma forma de o Palácio do Planalto agradecer o presente concedido por via indireta – a derrota do inimigo comum – seria mostrar a Bolsonaro as rotas menos acidentadas, onde ele e os colaboradores devem pisar, com pouco risco de naufragar. Porque há estratégias no enfrentamento das dificuldades que precisam considerar o momento mais adequado para tomarem as preocupações do governante, convenientemente tratadas com paciência; este, aliás, um exercício que, ao que tudo indica, não figura entre os preferidos do sucessor, ansioso por natureza e por formação.

Um conselho, tão ao gosto de quem vai ser sucedido, é a criação de um clima de relações harmoniosas com o Congresso Nacional; advertência à primeira vista dispensável, pois lá Bolsonaro está em quatro mandatos e deve ter aprendido quais as condutas adequadas. Ocorre que, estando agora no Executivo, o outro lado do poder, os papéis tornam-se bem diferentes. Deputados e senadores criticam quase sem a obrigação de apresentar soluções concretas, como viu o então deputado Bolsonaro. Mas agora sua casa ganha telhado de vidro, e o diálogo, quaisquer que sejam as intenções, nem sempre é produtivo. Temer que o diga, a despeito de investir pesado no entendimento com os parlamentares. Desencantou-se algumas vezes, como se deu na acidentada proposta de reforma da Previdência.

Contudo, quem sai, levando ou não saudades, deixa algum patrimônio de experiências, que, mais cedo ou mais tarde, pode ter oportuna utilidade. É o que se observa na atividade pública; principalmente em seus domínios. É onde mais frequentemente as situações se repetem. Nada de novo debaixo do sol e debaixo do poder, dir-se-ia numa versão adaptada da velha sabedoria do Eclesiastes.

Por fim, outro detalhe a considerar, antes que aconteça e passe a reunião de amanhã, é o significado prático da alternância do poder, o que está vivo na essência da democracia. Governos e governantes diferentes, quanto às origens e a maneira de sentir os problemas nacionais: tudo por obra e graça da vontade popular. Assim seja sempre.