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Repensar a política

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Essas urnas de vitórias e frustrações, numerosas tanto umas como as outras, deixaram tamanho estoque de lições e advertências, que, seguramente, o primeiro obstáculo para a elaboração de uma pauta analítica sobre elas é escolher o que deve vir primeiro. O que seria prioritário, frente a um processo eleitoral em que os fatos se cadearam, não isoladamente? É, portanto, vasta a seara que a partir desta semana se abre às lideranças políticas e aos cientistas que procuram entendê-las e interpretá-las. Tarefa mais desafiadora depois de conhecido o fecho do segundo turno.

Podiam começar pela avaliação do que sobrou do naufrágio do PSDB e MDB; ou a histórica substituição do populismo de esquerda pelo populismo de direita. Fatos que, somados a outros de igual relevo, longe de serem solucionados em um átimo, até permitem temer que tenha chegado ao fim a Quinta República; sem piedade para a memória de Tancredo, Ulysses, Covas e outros do mesmo naipe. Porque no fracasso das forças de centro-esquerda que eles elaboraram veem-se as digitais de tucanos e emedebistas, adversários de reciclagens reclamadas para substituir modelos políticos superados. Tornaram-se desesperança e objeto de descaso nas novas gerações.

Outra novidade para discussão, que chegou sem surpresa, pois estava manifestada desde os primórdios da campanha, é que a Bolsonaro ou a Haddad na Presidência, antes de subir a rampa do Planalto, caberia devolver, para pôr fim a uma artificialidade prejudicial, a imensa cota de votos que tomaram emprestado às antipatias mútuas: os votos do antilulismo, que correram para Bolsonaro, e os que, não o querendo, adotaram o destino que lhes restava: abrigo momentâneo no PT. Fato é que essas urnas se povoaram de um numeroso “sim” travestido de “não”; e seria imprudência deixar de recomendar ao eleito uma reflexão sobre tal fenômeno. Nenhum doS dois protagonistas do segundo turno poderia achar que se deveram a virtudes próprias os milhões de votos que lhes foram dados.

A agenda proposta, além de ampla, tende a crescer, com experiências outras, vivenciadas pelos candidatos, quanto à forma de se comunicarem. Este outubro mostrou que abriu falência, sem possibilidade de restauração, o velho discurso de promessas e intenções, porque estas não mais sensibilizam; nem menos para os detentores de muitos minutos de propaganda na TV, que os candidatos disputam com desmedida avidez. O exemplo ainda é do momento para confirmar: Alckmin teve seis minutos, e Bolsonaro pouquíssimos segundos.

O governante não pode se deixar enganar, confundindo suas reais forças com o bafejo das circunstâncias. No caso presente, tem de tomar em conta que quase metade do eleitorado não o desejou nesse domingo. Os números das pesquisas foram suficientes para sepultar veleidades de mandonismo e autossuficiência; pelo contrário, recomendam ao gabinete presidencial um carnê de modéstias a serem diariamente destacadas e saldadas com o poder.

Sobra um generoso espaço para outra prioridade, que deva ser lembrada desde logo: orientações mais precisas sobre o que fazer e como fazer com o grande leque das mudanças prometidas ao eleitorado ávido por elas; e nisso apostou, sem exata preocupação se o voto seria para melhorar ou piorar, bastando rumos diferentes às coisas envelhecidas e viciadas que vivenciamos. Mas para mudar não basta querer, é desafio num país que, quanto a esse propósito, sempre encarou resistências poderosas, reacionárias ao novo. Convém adotar método e cuidado. Relembre 1963. João Goulart, pressionado por massas mobilizadas, cedeu às imposições por reformas de afogadilho, em atacado, sem considerar que atirava contra velhas e sólidas muralhas conservadoras. Marcha segura para a quebra da normalidade democrática e ditadura feroz. É o filme de sempre.

Cuide disso o presidente, porque os tempos, no Brasil e em muitas outras partes do mundo, estão sendo embalados por furacões hostis a mexidas estruturais. Aqui, o furacão eleitoral que passou no domingo também tem nome feminino: direita.