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Compor para governar

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O regime democrático se faz cercar de certas realidades, das quais não conseguem se desvencilhar os governantes, por mais que sejam arrogantes e autossuficientes, e mesmo se ungidos com grande prestígio junto aos governados. Uma dessas realidades, que logo se impõe aos mandatos iniciantes, é a necessária composição de forças nos parlamentos, sem a qual as bases do programa político-administrativo não se constroem com facilidade. A via, de mão única, é o diálogo, com os deputados e senadores sempre pedindo muito, e o Executivo procurando conceder apenas o possível. Esteja o país sob monarquia ou república, é assim que deve funcionar, ressalvados os exageros e interesses escusos. O Brasil não é, nem será diferente. Para uma harmonia indispensável vale pesar que os detentores de mandato legislativo levam consigo o ônus da representação política. Não cabe alijá-los. Esta é a receita de sempre, que só perde a validade quando o poder se instala no absolutismo, como se viu no período ditatorial: o Congresso não cede? Fecha-se o Congresso, com o cuidado de pegar as chaves com o eufemismo do “recesso”.

O próximo presidente não fugirá à regra, para sentar-se à mesa com os parlamentares, porque tanto PSL como PT, sem embargo de terem formado bancadas expressivas, terão de construir pautas e agendas comuns com as demais legendas representadas. Para não se falar nos grandes desafios, cirurgias de alta complexidade, como a reforma do sistema previdenciário, tema que exigirá amplo envolvimento das bancadas. Até porque, para se aliviar o desgaste político da matéria, será preciso que todos participem das dores provocadas por protestos e ressentimentos populares, que certamente acontecerão quando o assunto voltar ao cenário. Tentar reagir à convivência entre os dois poderes é gerar clima de tensões.

Há uma particularidade que os presidentes mais sensíveis perceberam com acuidade, principalmente quando tiveram, anteriormente, passagem pelo poder Legislativo. Trata-se da importância de um relacionamento produtivo com as comissões temáticas, que trocam em miúdos as pretensões do governo, e mesmo as que, não sendo de iniciativa dele, interessam-no sobremaneira. São elas que podem remeter bem “mastigadas” as proposituras prontas para tramitação e aprovação.

Quando avaliada sob o aspecto da representação legislativa, revela-se providencial a exigência desse entendimento; o que só seria dispensável se um partido formasse bancada tão numerosa, com votos suficientes para tomar todas as decisões e assumir atitudes à revelia dos demais, o que seria caminho certo para a ditadura branca partidária. Difícil essa suficiência. Bancada independente de outras, só a do PMDB na Constituinte de 86. Bom mesmo que sejam limitados e contidos os poderes, para que todos os segmentos da sociedade estejam representados no destino dos projetos.

Que o novo presidente não se sinta acanhado ou diminuído por se ver instado a manter linha direta e paciente de diálogo com o Congresso; diálogo que, além de ser mantido, deve ser aprofundado, para que a política nacional não seja condenada a intermináveis tensões. Seus antecessores mais recentes completaram o mandato seguindo o figurino. Montaram composições e delas se valeram para chegar ao fim com tranquilidade política. O PSDB de Fernando Henrique, com 19,2% dos deputados; e o PT de Lula, com 16,1% para votação em plenário, cederam a alianças, que, em determinados momentos e circunstâncias, tiveram de esquecer suas origens e preconceitos ideológicos. Não há receita diferente para Bolsonaro e Haddad, quem quer que chegue lá. É ver para crer.