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Autocrítica, a missão comum

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A sugestão do senador eleito Cid Gomes ao Partido dos Trabalhadores, para que se dedique à autocrítica, pecou por ter sido mero instrumento de ressentimento e retaliação, em hora inoportuna; mas certamente teria sido proveitosa, contribuindo para desanuviar o futuro político nacional, se fosse endereçada a todos os partidos que disputaram o poder no primeiro turno, bem como aos candidatos. E ainda restaria proveitosa ao governo, que se representou com um candidato que amargou entre os mais jejunos de votos, e nisso tornou-se alvo não de derrota, mas de repúdio, verdadeiramente. Portanto, equivoca-se quem supuser, como o senador cearense, que uma avaliação de deficiências e imprudências, levadas a um auto de mea-culpa, caberia apenas aos petistas e ao petismo esquerdista, este criticado por ser, em última instância, responsável pela construção do tsunami da direita, que se derrama em todo o país. Porém, é perfeitamente sabido que grandes desastres não resultam de causa única.

Na mesma linha de candidatos a essa tarefa terão de se encontrar todos os demais partidos, que ousaram entrar em cena, na campanha de 2018, sem qualquer programa consistente, confiando a caminhada aos candidatos, que, por sua vez, vendo-se atletas autônomos, sentiram-se no direito de dizer o que queriam; e, portanto, têm de se submeter ao julgamento de consciência. Não apenas pelo engodo de prometer o que sabidamente sabiam ser impossível, mas pelo criminoso excesso por alguns praticado no uso das redes sociais para agredir e difamar. Não ofenderam, mas um primeiro olhar interno, para julgar e prescrever penitências, haverá de caber ao MDB, ao PSDB e a seus candidatos, náufragos preferenciais, carregando suas velhas malas improdutivas. Precisam dar sua versão ao desastre.

Do exame interno de ações praticadas, raros serão os políticos que consigam escapar, no momento de uma revisão sobre sua passagem pela agitada campanha que vai chegando ao fim. Mais cedo ou mais tarde, têm de prestar contas a quem enganaram. Sem condescendência para os que corromperam o voto e enganaram o votante. Porque, no dizer do ex-ministro Alcides Carneiro, do STF, o homem público frente aos seus atos no tribunal íntimo, acaba encarando a consciência, que é, a um só tempo, vigia de Deus e alcoviteira do diabo. Se não a cruz, o garfo do tinhoso.

A autocrítica seria igualmente cabível entre juízes, nos momentos em que tergiversaram - e não foram raríssimos - permitindo que suas decisões não se inspirassem verdadeiramente no espírito das leis. Sabendo-se que, sob clima de campanha eleitoral, a injustiça contra alguém é sempre o benefício de seu opositor.

Por fim, surge o imenso fenômeno da autocrítica que a História cobra do eleitor, caso se deixe levar por agentes do messianismo; pior e mais desastroso, quando empresta ao voto o papel menor de optar por um nome, não por desejá-lo, mas por desejar menos ainda o adversário. Nesse particular, vê-se que neste ano uma cota dos eleitores inclinou-se a alimentar um candidato à Presidência da República, não para saciá-lo, mas apenas por esperar que outro morra de fome. É algo parecido com o veneno equivocado da tragédia shakespeareana. Valeu a pena? Haverá de se indagar esse tipo de voto que aposta em balas perdidas. Ou que cede a proposta e a ideias fantasiosas.

A História da consciência política tem seu próprio tribunal. Não perdoa os males praticados, mas se entristece por causa das reincidências. Talvez, de tanto que apanha a maior vítima, que é o povo, tenhamos a exceção desta vez. É uma esperança.