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Eis a direita. Volver?

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Foi possível ler, no começo da semana, que pensadores europeus prometem dedicação mais cuidadosa aos fenômenos que teriam levado seu continente a experimentar a atual onda direitista, que vem crescendo e atropelando, sem embargo de alguns avanços nas propostas de esquerda, mas totalmente relegados nas discussões do momento. Bom que os sábios ofereçam essa contribuição e dissertem logo sobre as novas razões da contravolta que vem se acentuando, ainda que suas pesquisas possam esbarrar na simplicidade das velhas lições políticas do fluxo e refluxo: quando se frustram os objetivos propostos pela esquerda, a direita iça suas bandeiras; e vice-versa. Talvez nenhuma novidade sob o sol do Velho Mundo, que arquiva muitos casos em que as esperanças tomam o lugar das decepções, estas também em constante alternância.

Nada de novo, portanto, na velha Europa e em qualquer parte do mundo, onde o pensamento político mergulha em constantes conflitos; e onde milhões morreram ou mataram, como preço da opção que tiveram de fazer. O que levou Norberto Bobbio, olhando para os mares de sangue do passado, a concluir que direita e esquerda acabam condenadas à intolerância; acabam se igualando no ódio à democracia. Um nivelamento que a própria História procura cercar de reservas, sem desconsiderar o grande mestre italiano.

Sejam quais forem as virtudes ou defeitos que acompanham as ideologias, elas impõem a alternância dos poderes, o que está na essência do regime democrático, acima de tudo e de todos. Mas não se perde de vista que são as ansiedades sociais que facilitam as experiências ideológicas, mesmo quando se sabe que os sucessores podem praticar os mesmos equívocos herdados dos antecessores, sempre premidos por circunstâncias nas quais o governante torna-se impotente, seja qual for o lado de suas reflexões. O crítico francês Alphonse Karr já sentia isso, mais de século passado, para dizer que, em política, quanto mais se muda mais é a mesma coisa. Não propriamente por causa dela, mas pelos terrenos em que transita.

Na Europa, a maré montante da direita embarcou em divergências sobre a acolhida descontrolada dos fugitivos da fome e da guerra, nas desarmonias do mercado comum e na insuficiência de ações concretas para a absorção de mão de obra pelos nacionais, estimulando um xenofobismo só comparado aos tempos de guerra. Sem que faltem os exageros e a audácia da jovem militância do neonazismo.

E a América Latina? Sem ter imigrantes batendo nas águas de seu litoral, aqui a direita procura se escudar no desemprego, na miséria, nos sentimentos religiosos literalistas e ataca costumes não tradicionais. Não carrega soluções e não identifica luzes no fim do túnel (nem sabe onde fica o túnel...), mas tem o concurso de estrategistas eficientes, que conseguem levar o eleitor a apostar em mudanças milagrosas. No Brasil, ela construiu um quadro em que se beneficia não apenas do apoio natural dos simpatizantes, mas também dos que não são propriamente a seu favor, mas contra os adversários dela. Tudo a sugerir um romance com duração de noite de verão. Estivessem aqui, aqueles pensadores franceses seriam chamados à dupla tarefa de dissecar o petismo e o antipetismo, ambos influentes.

Neste país repleto de dificuldades e descrenças acumuladas, a direita nem precisou perder muito tempo com campanhas didáticas para mostrar o que é, o que pensa. Bastou-lhe aproveitar o embaraço a que foram condenados os eleitores descrentes, que não sabem exatamente aonde querem ir, mas sabem de onde querem sair. Presa fácil, pois sonha pouco; apenas sonhar em despertar de muitos pesadelos.