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Intuir para defender o voto

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A partir do final do século 19, alguns poucos anos antes talvez, os pensadores políticos já constatavam que a consolidação da democracia haveria de passar, sem dúvida, pelo voto; antes dele, só seu dono e agente, o eleitor livre. A partir de então, o mundo passou a desconfiar, com razão, dos países que se dizem democratas, mas preferem ver o cidadão longe das urnas. Os brasileiros, felizmente, conquistaram o direito a um modelo que não nega o papel do eleitor, e periodicamente é convocado ao exercício do sufrágio; sagrado exercício que, de forma alguma, perde importância ou cede valores quando as escolhas tropeçam. Os fluminenses, cariocas em particular, conhecem o preço de equívocos; de forma que hoje, não raramente, quando querem saber do destino dos eleitos têm de recorrer às páginas policiais, o que representa terrível humilhação para a cidadania. Triste constatação, mas longe de perder a utilidade. A utilidade dos bandidos e suas quadrilhas é que, sendo perfeito modelo de mau exemplo, servem para mostrar como não deve ser o trato da vida pública.

O cidadão votante revela lucidez, em primeiro lugar, pelo esforço para identificar a candidatura que melhor pode corresponder aos interesses da comunidade da qual faz parte, um julgamento que, a bem dizer, não deve capitular ao aceno de empatias ou reservas em relação ao candidato. Reconheça-se, contudo, que será uma superação de alto valor, nem sempre possível ou admissível aos gostos pessoais. Mas fica o ideal, pelo menos como tese.

Outro cuidado recomendável, ante o risco das ciladas, comuns em tempo eleitoral, é o tipo de candidato que costuma se aproveitar das ondas de popularidade fabricada, e nelas, se muitos gostam de surfar, surfam principalmente os aventureiros. O primeiro turno eleitoral não escapou disso. Sob permanente validade, é neste ponto que tem sido mostrado, não apenas ao eleitor individual, mas aos colégios eleitorais em sua totalidade, o perigo de se tornarem meros coadjuvantes de projetos suspeitos, que procuram atingir, muitas vezes, a religiosidade, um patrimônio da pessoa, quase sempre sensível e generosa na credulidade. Mas eleição nunca pode ser propriedade de seguimentos de fé; ela não é excludente, mas essencialmente se realiza em nome da inclusão. A Bíblia e a Constituição nasceram do ideal de fazer todos felizes e não podem estar a serviço de dissenções.

De igual forma, no roteiro de precauções do eleitor de hoje, para não tropeçar, que atente nas pesquisas. São úteis para indicar, até sugerir; mas não ao ponto de escravizar seu voto, para jogá-lo ao sabor dos ventos da hora.

Uma avaliação cuidadosa das ciladas, montadas também sob o clima do segundo turno, releva-se algo útil e oportuno para todos brasileiros, não menos para os fluminenses, que suportam nas costas e na memória antigas dores causadas por preferências equivocadas. Sobre o resultado de milhões de votos traídos, é dispensável repetir as consequências, uma das quais a transformação do Estado do Rio de Janeiro em sede das muitas tragédias provocadas por desgovernos, corrupção, improbidade, insegurança institucionalizada e grave evasão de talentos, inevitável com a retração de oportunidades de trabalho.

Dirão muitos: como é difícil, no instante de profunda intimidade com a urna, separar o joio do trigo, tirar do ouro o cascalho que contamina, salvar os bons das garras dos maus. De fato é longe de ser tarefa das mais fáceis, a começar pelos partidos, onde a qualificação essencial do candidato é a capacidade de engordar a legenda. Pouco além disso.

Para salvar o voto não há receita pronta, como disse, certa vez, o ministro Gustavo Capanema, para quem, se faltar estrela na testa, joga-se com o poder da intuição, que não garante o acerto, mas pode espantar o erro.

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