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A encruzilhada dos partidos

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Em acréscimo ao que se tem dito e escrito sobre a reformulação dos partidos brasileiros, nesse seu caminhar sonolento e geralmente apático, ocorrem novos fatores cuja importância se acentua na hora exata de tensões e paixões em que vive a política nacional, e deixa, mais uma vez, suficientemente demonstrado que falta neles um mínimo de conteúdo programático. O segundo turno não esconde essa ferida; ao contrário, traz valioso adjutório para comprová-la. Não é difícil compreender isso, principalmente depois das reuniões que sucedem em diversas capitais, algumas delas já procurando espaços na boleia das duas candidaturas sobreviventes, que pelejam ao embalo da polarização inevitável.

Em sua maioria, sabem eles que não podem ficar na margem da estrada, mesmo quando demonstram falso desinteresse, preferindo liberar os eleitores que pensam terem; o que, em verdade, apenas significa transferir o ato de adesão certa, sem risco, para quando o novo governo entrar em cena. Seja qual for ele, bolsonarista ou haddadista (com permissão para os neologismos do momento). Solução meio malandra, sem conseguir maquiar a carência de projetos bem definidos, que permitam identificar alguma semelhança com um dos dois que concorrem, e justificar o apoio, no aguardo de obséquios.

Algumas siglas, forçadas pelo caráter plebiscitário que marca o segundo turmo, não se fizeram de rogadas e foram logo optando por um dos candidatos. Não sempre por desejá-lo, mas por intolerar o outro, sentimento de amor e ódio, que, alternadamente, beneficia tanto Bolsonaro como Haddad. Quem não for amigo torna-se inimigo, ainda que por breve temporada, em nome de interesses que podem surgir.

Não menos importante, como facilmente se percebe, é que, no fundo, são pobres de votos. Quem os tem, tirantes e reconhecidas a expressão e a força do PT, são os próprios candidatos, que nessas legendas se hospedaram apenas para a campanha. E, não sendo os nove derrotados de domingo pretendentes a alçar posições no governo adversário, fica aberta aos diretórios que agora se omitem uma porta aos acertos via bancadas. Os acordos nem interessariam a homens como, por exemplo, Ciro, Meireles e Álvaro, com vistas à eleição de 2020; mas, com toda certeza, haverá motivações para as siglas modestas; também para seus caciques, que neste momento preferem deixar o eleitor livre a tomar o caminho que desejar. Chegada a hora das conveniências, eles e os chamados “partidos de aluguel” sabem como colocar tatos e olfatos vasculhando o horizonte, e identificar a oportunidade de acolhimento do novo presidente.

O que pode comprometer seriamente esses habituais planos de agregação interesseira é que muitos na linha desses minúsculos têm agora de prestar contas à cláusula de barreira. Não lograram votação mínima no domingo, tornam-se indigentes diante dos fundos partidários, e dificilmente escapam da debandada de seus deputados, que se sentirão atraídos pelas siglas maiores. Difícil detê-los e convencê-los a viver sob dietas políticas e condenados às galés do Paranoá, se elas existissem.

Deveu-se, então, ao contorno plebiscitário desse novo embate presidencial o fato de a organização partidária ter se revelado nua e exposta em suas deformações e singularidades. Alguma serventia dessa nova rodada, para compensar certas distorções que o tira-teima raivoso do dia 28 vai decretando ao eleitorado, sendo a principal delas a prevalência da hostilidade de pessoas e grupos em detimento do salutar conflito entre ideias e programas.