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O voto da exaustão

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Não pode se restringir aos dois candidatos à Presidência da República que vão ao segundo turno o conjunto de responsabilidades, que no dia 28 estarão de novo frente às urnas. Há algo mais a considerar, como a significativa tendência de confiar os destinos do país a um projeto visivelmente inclinado para a direita; muito menos por causa de suas possíveis virtudes, mas porque a esquerda, de longas caminhadas, consentiu perigosos furos no seu discurso, levando-o à desconfiança de milhões de brasileiros. Cansou. E por isso, entre renovar a antiga confiança no petismo e experimentar a novidade representada pela direita, acolheu-se esta. Provavelmente, muitos entre os milhões de votos dados ao primeiro colocado nem possam espelhar total adesão à causa Bolsonaro, mas votou-se contra o cansaço e o tédio construídos por seus adversários.

O que realmente se teclou na urna de domingo foi o voto da exaustão, ante a hipertrofia de um modelo político que marcou algumas realizações, mas distante do desejado. Resultado de um fenômeno inevitável, sabidamente testado aqui como em muito países europeus: alçados ao poder, os governantes de esquerda veem-se condenados a aceitar muitas exigências que os contrariam, porque sem que o façam não conseguem governar. Nada diferentemente do que já se disse, aqui e em outras partes do mundo: a direita nada mais é que a esquerda no comando de um país. O poder é sempre direitista.

Essa tentativa de conferir o que está do outro lado da experiência petista, que durou 13 anos ininterruptos, prevaleceu, pelo menos como disposição no primeiro turno do processo eleitoral. Um fenômeno pendular que vale a pena estudar, sem permitir que caia no esquecimento. Cada eleição é uma lição.

A considerar também, antes mesmo que venha o último domingo de outubro, é o raquitismo a que foram condenados os grandes partidos, sem exceção do PT, mesmo garantindo vaga no segundo turno. As legendas mais prestigiadas foram pequenas ou inexpressivas, a começar pela que levou Jair Bolsonaro a liderar a votação em quase todo o país. Os detentores de notável poder em pleitos passados, como PSDB e MDB, saíram da refrega de domingo com números modestos, ajudando a varrer velhas lideranças, acostumadas a renovar seus poderes em cada eleição.

Os grandes deterioraram-se, depois de longa exposição. Perderam a validade, não servem mais para o consumo, mesmo que os mais novos não tenham dado sinal claro de que poderão tirar o Brasil das enrascadas. Não há como negar nesse primeiro turno: ficou visível que os velhos partidos estão exaustos. Pior é que os novos já nasceram entanguidos, embora cheios de apetite…

Falando-se em lições, eis outra que salta de imediato: é preciso apressar a reforma política, tendo como ponto de partida a reorganização da estrutura partidária. A que está sendo testada na eleição deste ano mergulhou totalmente na obsolescência.

Ausentes os partidos para tarefas maiores, sem que deles se possa exigir mais do que conseguem, o segundo turno fica a exigir dos dois candidatos finalistas um redobrado empenho para mostrar propostas objetivas, sem permitir que delas tomem lugar as retaliações e os resíduos de agressões praticadas no primeiro turno. Que indiquem ao país como caminhar, como vencer os obstáculos, que são muitos e já se mostraram poderosos. Chegando onde chegaram, esses dois não têm direito de consumir a atenção dos eleitores com questiúnculas e ataques, que devem estar relegados ao passado.

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editorial | elétrico | jb | voto