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Entre a urna e o ringue

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Nas horas que vão correndo contra o relógio, a caminho das eleições de domingo, cabe considerar que não são apenas algumas candidaturas que sobem, sob influência de fatores diversos; sobe, igualmente, a responsabilidade do eleitor, de quem não se deve apenas esperar uma visita obrigatória à cabina eleitoral, mas insistir para que consagre um voto que assuma, como tarefa primeira e principal, a indicação daquele que lhe parecer o mais conveniente para o presente e para o futuro do país. Acima de tudo, uma imposição de consciência. Então, não se trata de singelo apelo ao patriotismo, coisa logo repudiada por muitos como algo romântico ou piegas. Não é isso; é muito mais que isso.
O eleitor, nem seria preciso lembrar, de tanto que já se falou, há de blindar e defender o voto, grande instrumento do qual pode se valer para sua verdadeira inserção nos valores da cidadania. E, para tanto, que exerça preferência consciente, sem se deixar levar para missões e atributos secundários, que nada têm a ver com o seu dever deste domingo que vai chegando. Votar olhando para a frente e para o alto, optando por quem sinalize ser o melhor. Visto assim, o voto não pode ser reduzido, como pretendem muitos, ao papel de coadjuvante em duelo de rejeições. Este é um mal que surge, ameaçador e cruel, que cabe eliminar. Seria contemplar um, só para ferir o outro, o menos desejável.
A transferência da eleição do novo presidente para um segundo turno, como insinuam as pesquisas, não dispensa – pelo contrário, acentua - o cuidado com a destinação da preferência a ser levada à urna. A opção pelo melhor entre os 11 candidatos que abriram a corrida, ou entre os dois finalistas, em nenhum momento deve desbotar a missão essencial da escolha, que é a definição pelos valores postos em julgamento. Se, mais tarde, as decepções cruzarem o caminho, e nele tropeçam as boas intenções de quem fez a escolha, isto será outra história, que terá sua hora para ser julgada, mais cedo ou mais tarde.
Ir à urna para se tornar mero juiz de rejeições em mão dupla, seria o mesmo que o cidadão se autodefinir como marionete, exercitando uma cidadania sem maiores preocupações com a dignidade. Seria cobrar dele mais do que deve dar, num momento, como este, em que as definições se mostram cercadas de dúvidas e do imponderável. É uma quadra em que neste Brasil até a conjuntura se mostra desconjuntada. Difícil admitir, então, que esse brasileiro votante seja condenado a transformar a cabina eleitoral em um ringue, no qual, longe de estarem em disputa os maiores valores, vão à corda da contenda os campeões nacionais da rejeição. Seria empobrecer demais um ato que só pode consentir grandeza, respeito, serenidade e elevado espírito de compreensão do grave instante que vivemos.
Havendo nova eleição, no fim do mês, o país se colocará diante de um cenário no qual as responsabilidades se acentuam, e o eleitor não haverá de ser um serviçal a carregar as armas de um duelo em que dois vão decidir a menor rejeição. Para quem ainda não se deu conta do risco de um passo equivocado, valeria reservar um tempo para refletir sobre o que o velho francês De Gaulle ensinou, com base em suas longas experiências: num primeiro turno ainda se pode admitir votar com o coração; no segundo, não; só com a razão.

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editorial | elétrico | jb | urna