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Mulheres: notícias boas em meio à pandemia

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O aumento dos casos de violência doméstica durante a pandemia tem sido notícia desde o início do isolamento social. Embora em muitas regiões a flexibilização já seja regra – o que é preocupante, já que o número de mortos pela Covid-19 só aumenta – as denúncias de agressões a mulheres dentro de casa seguem crescendo. Para relembrar a gravidade, somente em São Paulo houve um aumento de 44,9% no atendimento às vítimas, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, registrados ainda no mês de maio, em relação ao mesmo período do ano passado. Os casos de feminicídio subiram 46,2%. Ou seja, além da pandemia do coronavírus, enfrentamos uma epidemia de espancamentos, socos, xingamentos e desrespeito às mulheres dentro de suas próprias casas. Mas nem tudo é má notícia: no mesmo ritmo em que os citados casos crescem, as campanhas de acolhimento, alerta e conscientização entre mulheres pululam nas redes sociais e fora delas, por iniciativas que brotam de todos os lados.

Recentemente, participei de uma live com uma professora e também vereadora do município de Itatiba, no interior de São Paulo, que anunciou, como grande conquista na cidade, a reativação da primeira delegacia de atendimento exclusivo à mulher. A grande novidade, explica a professora Déborah Cássia, é que a unidade dará uma atenção multidisciplinar às mulheres da região, não só na efetivação do boletim de ocorrência, mas no acolhimento, com a participação de profissionais das áreas de psicologia, psiquiatria, entre outras. Em tempos de notícias ruins, não deixa de ser um alento, um conforto, saber que fatos positivos também acontecem.

Nas redes sociais, a campanha “Sinal Vermelho”, fez o que podemos chamar de “barulhinho bom”, quando foi anunciada. Criada pelo Conselho Nacional de Justiça e Associação dos Magistrados Brasileiros, a ação consiste em as mulheres usarem um gesto simples para denunciar que estão sendo vítimas de violência doméstica: mostrar a uma funcionária ou funcionário de farmácia um X vermelho pintado em uma das mãos – pode ser de batom, esmalte, caneta ou tinta. De acordo com as idealizadoras da campanha, as farmácias foram escolhidas porque estão sempre abertas e são locais acima de qualquer suspeita para os agressores. Ao ver o X vermelho, o funcionário é orientado a dar andamento ao acolhimento e à denúncia da vítima.

Ainda sobre campanhas, ferramentas e aplicativos foram criados para que mulheres possam denunciar qualquer tipo de violência de forma disfarçada, com o simples uso do celular, sem precisar sair de casa. Um exemplo é o PenhaS, lançado pela ONG AzMina, já citado neste espaço.

E por falar em boas notícias e campanhas positivas em meio à pandemia, foi muito potente e inspirador ver as redes sociais e veículos de imprensa repletos de referências ao Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, comemorado no dia 25 de julho. Quem não sabia da existência da data, nascida em 1992 em um encontro de mulheres negras em Santo Domingo, na República Dominicana, ficou sabendo. Nunca é demais lembrar que a mulher negra é a principal vítima de feminicídio no Brasil, além de ocupar a base da pirâmide socioeconômica. Aqui no Brasil, a data foi instituída em 2014, por Dilma Rousseff, como Dia Nacional de Tereza de Benguela, líder quilombola símbolo da luta dos negros no país. “Quando uma mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela, porque tudo é desestabilizado a partir da base da pirâmide social onde se encontram as mulheres negras, muda-se a base do capitalismo”, afirmou Angela Davis, uma das principais intelectuais e ativistas negras do mundo, em um encontro no Brasil em 2017. Se, em 2020, as mulheres negras se movimentaram para lembrar a data nas redes sociais – já que estamos no meio de uma pandemia –, que ficaram coloridas e ilustradas por desenhos variados de Terezas de Benguela, todas as mulheres se movimentaram juntas para celebrar a resistência das irmãs negras.

Notícias boas existem e precisamos delas também para tornarem nossos dias pandêmicos mais leves. 

Lídice Leão é jornalista, pesquisadora e mestranda em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo.