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As mulheres no Judiciário

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Em época de pandemia pelo Covid-19, gostaria de refletir sobre o papel das mulheres no Judiciário. A área jurídica no Brasil sempre esteve inserida em perspectivas conservadoras e com o predomínio de homens a ocupar os principais cargos, na advocacia ou nos cargos públicos de destaque.

A primeira mulher advogada no Brasil a ter autorização para atuar em sua carreira, Myrthes Gomes de Campos, esperou nada menos do que oito anos para ser autorizada – na ocasião, pelo Instituto dos Advogados Brasileiros – a exercer essa profissão tradicional, no início do Século XX.

Conta-se que sua primeira atuação aconteceu no tribunal do júri. O plenário, na época, ficou lotado de curiosos, interessados em assistir uma mulher na defesa de um réu, fato que pareceu inusitado na época para a população do Estado do Rio de Janeiro.

Ainda é tímida a participação das mulheres em altas posições da concorrida área jurídica. Mas, mesmo assim, é importante enfatizar as conquistas alcançadas por elas e a sua crescente presença nas tribunas, como advogadas, defensoras públicas e membros do Ministério Público.

Fez história a posse da Ministra Ellen Gracie, em 2006, como primeira Presidente mulher da mais alta Corte do País, o que só veio a ocorrer no final do Século XX. Com muito bom humor, ela relata que quando foi nomeada para o Supremo Tribunal Federal (STF) não existiam banheiros femininos na área privativa da Corte, reservada a seus membros. Recorde-se, ademais, que naquela ocasião era vedada a entrada de mulheres nas sessões dos órgãos colegiados do STF de calças compridas. Só era admitido o ingresso de mulheres vestidas de saias ou de vestidos.

Muitos anos se passaram e em 2018 a Ministra Laurita Vaz tomou posse como a primeira mulher a presidir o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e, muito recentemente, a Ministra Maria Cristina Peduzzi foi eleita e empossada como a primeira mulher a presidir o Tribunal Superior do Trabalho (TST).

A presença de mulheres nos tribunais brasileiros fica, a cada dia, maior. Nos cargos das instâncias ordinárias elas já são a maioria em vários estados da Federação. Nos cargos de maior expressão nas cortes superiores, no entanto, ainda representam a minoria, embora 52% da população brasileira seja composta de mulheres, e os outros 48% de seus próprio filhos, por ela criados e educados.

Na advocacia a situação da representatividade das mulheres é ainda mais acanhada. São raras as grandes bancas de advocacia lideradas por mulheres, e ainda se faz presente sua tímida participação em grandes causas, com exceção daquelas que atuam na área de família, que convencionou-se ser a mais apropriada para elas.

Nas entidades de classe e nas universidades de Direito os mais altos postos também ainda são majoritariamente preenchidos por homens, com poucas e honrosas exceções.

A situação é ainda mais dramática no Conselho Federal da OAB, entidade grande defensora da democracia, que nunca teve em sua Presidência ou Vice-Presidência uma mulher. Nas presidências das seccionais da OAB, de igual modo, são raras as presenças de mulheres em suas diretorias estatutárias.

Em outubro de 2014 foi realizado o primeiro painel sobre a mulher advogada durante a Conferência Nacional dos Advogados do Brasil, no qual foi iniciado um movimento em prol da defesa da cota de 30% das vagas do Conselho Federal e de sua diretoria para as mulheres advogadas, pleito aprovado na ocasião. E em abril de 2015 surgiu em Roraima o Movimento Mais Mulheres na OAB, com a adesão de todas as seccionais após seu lançamento, durante a I Conferência Nacional da Mulher Advogada, em Maceió (AL).

Em 2016, a OAB reconheceu a importância feminina quando instituiu o Ano das Mulheres no Brasil. Houve, então, na Seccional do Rio de Janeiro, sob a presidência e com o apoio de Felipe Santa Cruz, a implementação do Plano Nacional de Valorização da Mulher Advogada, que tinha como meta a defesa dos Direitos Humanos e o fortalecimento das prerrogativas das profissionais da advocacia.

Também em 2016 foram reconhecidos direitos direcionados à advogada gestante, lactante e adotante, por meio da Lei nº 13.363/2016, que alterou a Lei nº 8.906/1994, acrescentando o art. 7-A, com benefícios relevantes, nunca antes assegurados.

As mais recentes e não menos relevantes conquistas ocorreram em setembro de 2018 e em dezembro de 2019, no âmbito da advocacia. Na ocasião, o Conselho Federal da OAB aprovou a exigência para o registro de chapas de no mínimo 30% e máximo de 70% para candidatura de cada sexo, alterando o art. 131 do Regulamento Geral da OAB, bem como inserindo os art.s 156-B e 156-C.

Tratam-se de relevantes normas para proporcionar a maior participação política institucional da mulher advogada, que infelizmente só entrarão em vigor nas eleições da instituição em 2021. No caso específico da Seccional do Rio de Janeiro, que tenho a honra de integrar como sua Vice-Presidente e única diretora estatutária, uma proposição foi aprovada, no mesmo sentido. Nesse específico estado, inclusive, as mulheres já representam 52% de seus inscritos.

Devemos comemorar com muita obstinação todas as conquistas, tanto institucionalmente, quanto no exercício pleno da nossa profissão, na qual já somos a maioria. Mas o fato de, atualmente, não possuirmos qualquer representatividade na Diretoria do Conselho Federal da OAB evidencia que ainda existem espaços a serem alcançados pelas mulheres e o quanto ainda precisamos lutar para a efetivação dos nossos direitos, pela defesa da igualdade de gênero, de modo que os espaços de poder na área jurídica reflitam e sejam coerentes com a composição da própria advocacia e da sociedade brasileira.

*Vice-presidente da OAB-RJ