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O exemplo da liderança feminina no combate ao Covid-19

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Muito se tem escrito e falado sobre a primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, e o sucesso de suas ações para impedir o alastramento da Covid-19 pelo país. O reconhecimento das suas determinações foi global, mas, principalmente interno. A população da Nova Zelândia aprovou de forma maciça o isolamento máximo designado por ela e a considerou, segundo pesquisa recente da empresa Newshub-Reid, a líder política mais popular da história do país. Da mesma forma, o Partido Trabalhista, do qual ela faz parte, registrou um aumento de popularidade e aprovação de 14 pontos, atingindo o índice de 56,5%, também o maior já apontado por uma legenda.

Além da Nova Zelândia, outros países comandados por mulheres têm se destacado no combate à Covid-19. As líderes da Alemanha, Taiwan, Islândia, Noruega, Dinamarca adotaram medidas distintas entre si, mas ao mesmo tempo similares: tomaram decisões mais empáticas, deram maior atenção às famílias, aos cuidados, foram mais colaborativas e menos autoritárias do que governantes com “estilo” machista, como é o caso de Trump e o seu fiel seguidor Bolsonaro.

Uma diferença notória foi a preocupação das governantes em manter a saúde mental e a tranquilidade emocional das crianças. Além de Jacinda Ardern, as líderes da Noruega e Dinamarca fizeram pronunciamentos específicos para a população infantil, explicando o que é o vírus e as formas de combate. Não é preciso dizer, mas é importante sublinhar que ao zelar pelas crianças todo o ambiente familiar é cuidado. Juntamente a medidas que seguem no mesmo escopo desta, outras determinações, obviamente, foram tomadas como, por exemplo, o isolamento social rápido e rigoroso.

No decorrer das lutas dos movimentos feministas, nós, mulheres, temos combatido o lugar do “cuidado” historicamente designado ao sujeito feminino nas sociedades. Uma luta seminal para que conquistemos a cada ano mais posições na ciência, na aviação, engenharia, tecnologia, entre outros papéis antes destinados exclusivamente aos homens. Entretanto, ainda atualmente, embora haja uma ampliação da educação escolar da população feminina, tal movimento se limita a determinadas áreas do conhecimento como humanidades, saúde e educação, conforme estudo da socióloga Eva Blay no livro “50 anos de feminismo – Argentina, Brasil e Chile”, editado pela Edusp.

Não podemos nos esquecer que nós, mulheres, somos resultado de séculos – pelo menos dois, desde o século XIX – de formação cultural voltada para o cuidado com a família, o afeto, as tarefas domésticas, o trabalho privado cunhado pela formação dos lares burgueses e patriarcais pós-Revolução Industrial. Ainda no cenário mundial de pandemia, é válido destacar que as mulheres representam 70% dos profissionais de saúde em todo o mundo. O grande avanço, nestes casos de sucesso no combate ao Covid-19 por lideranças femininas é que, ao mesmo tempo em que essas mulheres recorrem à empatia, ao cuidado, à colaboração, características culturalmente e socialmente femininas por imposição histórica, só podem adotar medidas eficazes no combate à pandemia – salvando milhares ou milhões de vidas – porque conquistaram o topo do poder político, como resultado das lutas feministas.

Lídice Leão é jornalista, pesquisadora e mestranda em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo.