ASSINE
search button

O impacto econômico do Covid-19 e o papel do Banco Central

Compartilhar

Uma crise econômica de magnitude inédita se aproxima. Previsões de instituições qualificadas apontam retração do PIB brasileiro da ordem de 5%, em 2020. O tamanho da queda sugere que, sem a ação do Estado, os custos sociais serão insuportáveis. Em poucas semanas, milhares de empresas fecharam as portas e milhões de trabalhadores perderam seus empregos. Neste quadro de aguda deterioração econômica, fica evidente, e urgente, a necessidade de uma intervenção do Estado em grande escala. Diante da amplitude e da profundidade da crise, somente o Estado possui capacidade financeira para gerar impacto socioeconômico relevante.

Apesar da condição financeira privilegiada, a tarefa se revela hercúlea. Além de ter que enfrentar imensos problemas humanitários, o Estado também precisará atender a várias outras emergências. Juntamente com a implementação de políticas sociais compensatórias, o Estado deverá prestar socorro a empresas que tiveram suas atividades paralisadas (comércio e serviços), a setores econômicos essenciais, que, com a crise, viram sua receita minguar (transportes, energia etc) e, também, a estados e municípios, que, por força da queda da atividade econômica, verão sua arrecadação desabar.

Por conta desse quadro econômico dramático, é fácil prever uma mudança radical na agenda econômica do governo. Um “ativismo fiscal” irrestrito deverá ceder espaço a uma política de gastos menos dogmática. A política de austeridade fiscal que marcou o primeiro ano do governo deverá ser substituída por uma política fiscal marcadamente expansionista. Mais ainda: sob essa nova ótica, as medidas já adotadas se mostram muito tímidas. Para garantir a continuidade das empresas, preservar o maior número possível de empregos e garantir uma renda mínima para todos será preciso fazer muito mais.

Não basta apenas aumentar a liquidez bancária, esperando que os bancos passem a oferecer mais crédito às empresas. Com o medo de inadimplência presente no mercado de crédito, não é crível que o sistema bancário forneça o volume de recursos que o sistema produtivo necessita. A expansão do crédito, mesmo com a recente injeção de liquidez do Banco Central, parece improvável. Para que as empresas sejam, de fato, atendidas, será necessária uma iniciativa de maior envergadura. Será preciso que o Banco Central também possa financiar as empresas não bancárias.

Em 2008, os bancos centrais dos países ricos emprestaram dinheiro para os bancos comerciais. Com essa crise, porém, será preciso ir além, injetando capital diretamente nas empresas não bancárias. A oferta de liquidez não pode se restringir apenas ao sistema financeiro. Uma inédita atuação do Banco Central se faz necessária. Em outras palavras: a proposta é que o Banco Central passe a ser, momentaneamente, o “emprestador de última instância” do sistema produtivo.

Somente a autoridade monetária poderá fazer chegar às empresas, à monta e à hora, os recursos necessários à sua sobrevivência. Somente o Estado, pela sua capacidade única de emissor de moeda, será capaz de atender a uma demanda de crédito de tal magnitude.

Em favor dessa proposta deve ainda ser observado que o esperado aumento de gasto público ocorreria em um contexto de elevada ociosidade, renda em queda livre, crédito travado, dívida externa muito baixa e balanço de pagamentos amplamente superavitário. Ou seja, não haveria demanda que sustentasse um movimento de alta de preços.

Sem a ajuda do Estado, pessoas, empresas e governos subnacionais se tornarão incapazes de arcar com os seus compromissos financeiros. A consequência seria um cenário de inadimplência financeira generalizada e de desorganização das cadeias produtivas. Os efeitos sobre as empresas e sobre o emprego seriam nefastos. A proposta de atuação do Banco Central deve ser vista sob essa perspectiva.

*Doutor em Economia e professor da FGV