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Estados Unidos e Brasil: parceria ou dependência (final)

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John Bolton, assessor de Trump para temas letais, visitou Londres esta semana. Sempre acompanhado de seu bigode a Mutt e Jeff (se você tem menos de 60 anos veja a imagem no Google), Bolton foi propor ao novo governo britânico um acordo de livre comércio bilateral.

Solidariedade americana, dirá alguém. Não foi a reação da imprensa londrina. Subiu o tom diante das propostas de Bolton, repudiadas como violadoras da soberania britânica. Bom lembrar: Bolton é nada mais nada menos que o poderoso conselheiro de segurança nacional de Trump. Aparentemente, suas funções nada têm a ver com comércio internacional, área de competência do USTR e subsidiariamente do nosso conhecido Dr. Ross, que nos visitou rapidamente faz algumas poucas semanas e contribuiu com suas pílulas de sabedoria para embananar o louvado acordo Mercosul-União Europeia.

De 2017 para cá, as novas diretrizes do Conselho de Segurança Nacional dos Estados Unidos incorporaram regras restritivas à soberania nacional nos acordos ditos de livre comércio. Embora o Reino Unido tenha sido historicamente um parceiro preferencial dos Estados Unidos nem a ele pareceu saudável acolher as sugestões americanas.

Trump é um estimulador entusiasta do Brexit; uma Europa unificada não interessa a seu propósito de aprofundar a hegemonia econômica, financeira, tecnológica e conter, e se possível abortar, o crescimento da China, principal rival nesse e outros campos.

Não por outra razão, aliás, a Alemanha, tão logo sabedora da reação do Reino Unido, anunciou sua intenção de fazer com ele um acordo bilateral de comércio, independentemente dos resultados dos acordos a eventualmente serem assinados entre o Reino Unido e a burocracia da União Europeia no Brexit. Também aqui nada de gratuidade ou solidariedade. Apenas a realpolitik alemã de evitar transformar-se no para-raios europeu.

Se, além desses dois países, olharmos para o panorama europeu veremos um continente com turbulências políticas, num arco que abarca Grécia, Espanha, Itália e Hungria, consequências de uma globalização que mostra muito mais suas mazelas do que seus benefícios.

Importa indagar as possíveis razões deste fenômeno, a alastrar-se na Turquia, nas Filipinas e na América do Sul, inclusive mostrando suas garras no Brasil. Há estudiosos que identificam como causa principal dos radicalismos, sejam de direita ou de esquerda, a perda da soberania econômica, causada, de forma intencional ou não, pela globalização, pela desagregação dos Estados-Nações, pela desregulação do sistema financeiro internacional e pela ideologia do neoliberalismo e sua implacável indiferença aos mecanismos de suporte social e, em consequência, ao aumento dos desníveis econômicos entre as camadas opulentas das sociedades e seus estratos miseráveis.

Nesta moldura, governos autoritários e populistas - de esquerda ou direita, insisto - conscientes da perda de sua soberania econômica estariam revigorando mecanismos e movimentos nacionalistas com o objetivo de recuperarem sua identidade cultural e de costumes conservadores, além de promover contenção de correntes imigratórias.

Esta visão nos ajuda a compreender, embora de forma parcial, o papel desses fatores na eleição e no fundamentalismo de Trump. De movimentos como o tea-party e a defesa da supremacia branca, associada ao conservadorismo religioso. Enfim, compreender a extrema-direita americana.

Torna-se mais visível o método na loucura de Trump, seu populismo de tintura quase coronelista e patrimonialista, sua defesa de um protecionismo comercial pré-segunda guerra mundial, sua ojeriza ao multilateralismo econômico e político, sua insistência em apregoar que os Estados Unidos foram “trapaceados” pela OMC, pelo NAFTA, e, acima de tudo, sua óbvia intenção de enfraquecer sistemas de defesa econômica ao poderio do capitalismo transnacional americano.

Haveria muito mais a dizer, mas neste espaço apenas pretendo agora voltar-me para o Brasil, nesse panorama internacional complexo e certamente quase hostil. Afinal, o que somos? O que queremos?

Não são perguntas retóricas. Na política brasileira de hoje tenho a impressão de que esquecemos o que somos e que parecemos querer o que nos querem impor. Virou esporte nacional falarmos mal do Brasil. É como se estivéssemos todos num conclave de vira-latas a ganir e lamber feridas, com um medo louco que ali na esquina vá surgir a qualquer hora a carrocinha ou o rapa. Somos imigrantes clandestinos em nosso próprio país. Esquecemos que somos um continente. Esquecemos que somos ainda donos de nosso solo, do subsolo, do mar e de suas negras riquezas. Esquecemos que somos um povo criativo. Esquecemos que o candango construiu Brasília.

Esquecemos que nossos governos até hoje não aceitaram contratos e acordos leoninos, não hipotecamos nossas riquezas, não caímos em múltiplos contos do vigário, não perdemos nossa soberania econômica a não ser na medida em que assumimos o limite consensual na OMC.

Nada mais. Nem nos governos mais conservadores fomos picados pela serpente da submissão.

Agora nos assediam forças que parecem sábias. E são apenas insossas, incultas, inidôneas. Curiosamente, os países que se encaminharam pela trilha do populismo neoliberal autoritário apenas o fizeram depois de perder a soberania econômica. No Brasil, o neoliberalismo é o canal para alienar nossa soberania econômica a troco de uma hipotética aliança com os Estados Unidos de Trump.

Se fizermos um levantamento desapaixonado da política externa de Trump, seremos obrigados a reconhecer que ela plantou tempestades e colheu ventos.

A Coreia do Norte entrou no palco internacional e não alterou sua política de testes nucleares. O rompimento do acordo plurilateral com o Irã está propiciando seu lento rearmamento.

Em nossa região, Trump quase nos levou a um mini Vietnam com a invasão da Venezuela. Destruiu a política de Obama com Cuba. Hostilizou o Mercosul. Cobrou do Brasil uma taxa iníqua por um apoio a nossa entrada na OCDE, ao exigir que renunciássemos ao tratamento especial como país em desenvolvimento, a que temos direito pelas regras da Organização Mundial do Comércio. Impôs cotas unilaterais às exportações do aço brasileiro. Enfiou-nos goela abaixo uma obrigação de importar trigo americano sem levar minimamente em conta nossos compromissos com a Argentina. E fez tudo isso com um sorriso cinico a nos chamar de negociadores duros e inflexíveis.

Internamente, a política econômica de Trump começa a dar sinais de reversão e não são exageradas as hipóteses de recessão econômica nos próximos dois anos. Não é minha opinião, é análise de conceituados jornais americanos.

Para completar, o transplante da política escancaradamente neoliberal iniciada com Meirelles e aprofundada por Guedes mostra resultados deprimentes. A pobreza extrema no Brasil cresceu de forma catastrófica principalmente nas grandes cidades. O ministro da Economia que nos previu uma enxurrada de investimentos nos pede paciência. Como se fôssemos uma sociedade de frades franciscanos e nossas crianças pudessem sobreviver a uma política que reduziu até mesmo a vacinação compulsória. E agora, Guedes deu para dizer que o mundo não nos afeta. Somos uma ilha de tranquilidade. Quem diria?

Alinhar o Brasil aos Estados Unidos, vender ativos como a Eletrobras, a Petrobras e até mesmo a Embrapa servirá para dar um suspiro nas contas públicas e nada mais. Valerá a pena? Não é o que ensina nossa experiência histórica. No melhor momento da democracia brasileira crescemos 50 anos em 5. E saímos do FMI.

O apequenamento do Brasil pode ser do interesse de múltiplas forças. De múltiplos bolsos e bolsas. De múltiplos bancos e bancas.

Só não é compatível com legítimas aspirações de vivermos em uma sociedade justa, equânime, onde a escola seja um direito e o emprego digno uma obrigação.

O resto é pura conversa fiada. Pura embromação, em português castiço.

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