Em toda a minha vida, já relativamente longa, nunca, mas nunca mesmo, vi o Brasil correr tanto perigo, tantos riscos. Fica cada vez mais claro que a crise iniciada em 2015 não é uma crise qualquer, mas um processo de desintegração e dissolução que coloca em risco a Nação. Como seria de prever, esse processo está alcançando o seu paroxismo com o governo Bolsonaro.
Bem sei, leitor, que o nosso País, com todas as suas extraordinárias qualidades, sempre teve também muitas vulnerabilidades. Carregamos pesada herança colonial-escravista, nunca inteiramente superada. Calabar e Joaquim Silvério dos Reis fizeram escola e seus discípulos ou sucessores sempre estiveram representados nas mais altas esferas, em maior ou menor medida.
Mas há precedentes para o que estamos vivendo agora? Vou mais longe: um governo de ocupação, que estivesse encarregado de desmontar o Estado brasileiro, faria melhor serviço? O propósito destrutivo está sendo levado a cabo às claras, sem disfarces. O próprio presidente da República proclama que seu objetivo é exatamente este. E a destruição já vem atingindo muitas áreas da administração pública, das políticas governamentais e da sociedade brasileira.
Tome-se como exemplo a área ambiental. Nas últimas décadas, o Brasil desenvolveu doutrinas, políticas e instrumentos nesse campo estratégico. Um dos instrumentos mais recentes, ainda em fase de consolidação, é o Novo Banco de Desenvolvimento, criado em conjunto com Rússia, Índia, China e África do Sul, banco do qual fui vice-presidente até 2017 e que tem como um dos seus objetivos centrais apoiar o desenvolvimento com sustentabilidade ambiental.
Não há dúvida de que a eficácia das instituições e políticas ambientais brasileiras variou ao longo do tempo. O que foi feito pode e deve ser objeto de críticas e revisão. Mas a destruição pura e simples, a mudança abrupta de rumo, pontuada por medidas e declarações estapafúrdias, provocativas e até infantis, vem transformando o Brasil em pária internacional. É um convite ao desastre em tema que diz respeito a interesses fundamentais do País e à própria soberania nacional. Como se sabe, a questão central aqui é a Amazônia.
Não se trata, leitor, de um simples problema de “imagem” no exterior – aspecto que invariavelmente desperta o vira-lata que habita no brasileiro. Sempre acompanhamos, aflitos, manifestações mais críticas de americanos e europeus a nosso respeito – e, realmente, estas vêm se multiplicando na mídia e mesmo no discurso de lideranças políticas desses países. Também não se trata principalmente de um problema de perda de acesso a financiamentos externos ou a fundos dedicados à questão ambiental, ainda que isso possa certamente ocorrer ou até tenha começado.
O grande risco é outro – o de abrir o flanco, no médio prazo, para uma intervenção estrangeira no Brasil. Isso pode soar alarmista. Estou escolhendo as palavras com o devido cuidado. Eis o que quero frisar: não podemos, de forma alguma, perder de vista a importância que se atribui no exterior à questão ambiental e, em especial, à Amazônia. E nessa atenção que a Amazônia recebe há uma mistura perigosa de preocupações legítimas, relativas a repercussões climáticas globais, com a tradicional cobiça das grandes potências pela vasta reserva de recursos naturais valiosos e crescentemente escassos que temos na região Norte do País.
O caminho mais rápido para perder soberania na Amazônia e, no limite, colocar em risco até a integridade territorial do Brasil é confrontar de maneira tosca as preocupações internacionais, isto é, continuar com a combinação de medidas inconsequentes e destrutivas com pronunciamentos espalhafatosos. Evidentemente, não temos motivo para aceitar sem contestação os “consensos” internacionais em matéria de ecologia e Amazônia. Os governos estrangeiros e organizações não governamentais que se dedicam a essa temática não são, nunca foram, inatacáveis. Mas o Brasil precisa se dirigir a esses temas, vitais para nós e para o resto do mundo, com espírito crítico, seriedade e competência profissional.
Se o governo federal perdeu o rumo nessa questão, como em tantas outras, cabe aos governos subnacionais, ao Congresso, às organizações da sociedade civil e aos especialistas fazer o que estiver a seu alcance para interromper o desastre que está se configurando.
Economista, foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, e diretor executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países.
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