Quando falamos de oceano, costumamos ser levados a momentos de alegria e bem-estar, como mergulho entre as ondas, caminhadas à beira da praia, brincadeiras na areia ou viagens. Contudo, os oceanos nos oferecem benefícios que vão além da zona costeira, em uma rede socioambiental, cultural e econômica que está atrelada ao nosso cotidiano. É por essa razão que a Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu o período de 2021 a 2030 como a Década dos Oceanos, com o objetivo de ampliar a cooperação internacional em pesquisa para promover a preservação dos mares e a gestão dos recursos naturais de zonas costeiras.
A maior parte da biodiversidade do planeta está no oceano, que nos oferece inúmeros recursos para o modelo de vida que temos hoje, como lazer, pesca, petróleo e energias renováveis. Na área da saúde, pesquisas revelam que a proximidade com o mar atua na prevenção de doenças e na promoção do bem-estar. Reconhecer a variedade e a importância dos serviços ecossistêmicos marinhos nos traz maior clareza sobre como somos beneficiados pelos mares.
O oceano também regula o clima do nosso planeta – tanto na zona costeira como nas áreas continentais –, sendo um dos principais responsáveis por isso. Alterações nas condições oceano-climáticas geram efeitos ambientais e socioeconômicos. Provocam o aumento de eventos climáticos extremos, variações de temperatura, a prolongação de períodos de seca e chuvas, o aumento do nível do mar e a acidificação dos oceanos.
Contudo, a exploração desses serviços nem sempre se dá de forma sustentável e gera múltiplos impactos. A ponta desse iceberg é o acúmulo de lixo no mar, que mostra como as ações humanas podem degradar o ambiente. A poluição marinha ainda inclui tudo o que vai para o esgoto sem o devido tratamento, como medicamentos e produtos de limpeza, além de derramamentos de óleo e compostos químicos. Somam-se a esse cenário a sobrepesca comercial, a ocupação irregular da região costeira, a destruição de habitats e o turismo desordenado.
A pesquisa, muitas vezes reconhecida apenas como geração de conhecimento, tem papel essencial na formação de cidadãos conscientes. Da mesma forma, a oceanografia e outras ciências devem ser usadas pelo poder público como subsídio para políticas públicas e tomada de decisão em busca do desenvolvimento sustentável.
Órgãos de fomento e agências intergovernamentais buscam mobilizar ciência, políticas públicas e sociedade e a Década dos Oceanos é uma grande oportunidade para essa integração.
Para abraçarmos este movimento e compreendermos a nossa relação com o oceano, precisamos entender que economia e conservação podem caminhar juntas, englobando características socioculturais, econômicas e ambientais sustentáveis. Os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) nos colocam oportunidades para contribuir com um futuro melhor. Quando nos comprometemos com comportamentos que geram benefícios para os eixos dos ODS, como combate às mudanças climáticas (ODS 13) ou esforços pela igualdade de gêneros (ODS 5), passamos a acreditar que a mudança local beneficia o meio ambiente, as populações vulneráveis, a igualdade.
Ao considerarmos que a zona costeira abriga a maior parte da população mundial e o exponencial crescimento populacional projetado para um futuro próximo, fica evidente o alerta que a ONU faz neste momento: a forma como nos relacionamos com o oceano precisa ser refletida e repensada.
Nesse contexto, a Assembleia Geral da ONU indicou a Comissão Oceanográfica Intergovernamental (COI) da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) para coordenar o processo preparatório da Década dos Oceanos. O objetivo é engajar a sociedade para planejar os próximos dez anos em ciência e tecnologia do mar, entregando “o oceano de que precisamos para o futuro que queremos” – meta que se tornou o lema da Década.
O Brasil já se posicionou como importante ator na construção da Década, sinalizando que convidará representantes dos governos e especialistas para uma grande consulta, no segundo semestre deste ano, sobre as prioridades e necessidades em termos de ciências do oceano, sustentabilidade, mobilização de recursos e ativação de parcerias para atingir os objetivos do movimento.
O ensino sobre oceanos e suas relações com o cotidiano – o OceanLiteracy, liderado pela Unesco como uma ferramenta de conscientização dentro e fora das escolas – será uma das linhas de frente. ONGs podem atuar em suas áreas, fortalecendo temáticas importantes, como igualdade de gêneros, redução das desigualdades e conservação, entendendo a relação de cada temática com o oceano. A iniciativa privada pode capacitar suas equipes e desenvolver produtos e processos sustentáveis.
Já cidadãos, como nós, podemos buscar ações no dia a dia que podem ajudar a atingir os ODS. Devemos incorporar novos hábitos, além de propor e acompanhar mudanças. Quando somadas, pequenas ações locais vão gerar impactos positivos em escalas nacionais e globais, garantindo o oceano que precisamos para o futuro que queremos.
*Malu Nunes é engenheira florestal, mestre em Conservação e diretora-executiva da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza
*Ronaldo Christofoletti é biólogo, doutor em Zootecnia, professor da Universidade Federal de São Paulo e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza
*Vinicius Grunberg Lindoso é coordenador de comunicação da Comissão Oceanográfica Intergovernamental da UNESCO