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O posto Ipiranga

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As duas últimas semanas tornaram claras as opções que a sociedade brasileira tem diante de si. O posto Ipiranga, aliás ministro Paulo Guedes, não poderia ter sido mais didático em suas explicações sobre sua visão do Brasil. Em contrapartida, a Câmara dos Deputados teve o grande mérito de desnudar um projeto dito de reforma da Previdência, que vai muito além do que se intitula. Seria injusto não mencionar aqui o líder da oposição, Deputado Alessandro Molon, pela forma clara e elegante com que nos permitiu conhecer os grandes temas imbricados no projeto submetido ao país.

O fato é que hoje não podemos mais nos distanciar de julgarmos, friamente e sem emoções partidárias, o que desejamos para o Brasil,para nossos filhos e netos. Estamos numa encruzilhada em que poucos países em tempo de paz tiveram a felicidade ou o infortúnio de reconhecer como decisiva para seu futuro e que poucos povos tiveram a oportunidade de optar entre destinos tão díspares.

O ministro Paulo Guedes, em quem reconheço desde logo a competência, a eloquência e a determinação, nos expõe uma certeza inabalável. Sem a aprovação da reforma submetida ao Congresso, ressalvadas algumas correções cosméticas, o Brasil se encaminha para um mergulho no atraso econômico praticamente irrecuperável.

A vantagem de se ouvir o ministro Guedes é a de que nele o raciocínio é frio e matemático, apoiado em teorias econômicas aparentemente irrefutáveis. Isto lhe facilita igualmente descartar as objeções que lhe são feitas, ao discurso ou à proposta,como desinformadas ou ideológicas, ou ambas ao mesmo tempo. As certezas do ministro são férreas. Inoxidáveis. Esta certeza torna sua argumentação às vezes levemente autoritárias, quando não aterrorizadoras. Não digo que o faça de forma intencional, transmito apenas a sensação em pessoas como eu que não desejam um Brasil inviável nem acredito que a solução para o seu crescimento econômico deva depender de um cáustico sufocamento social de prazo indeterminado.

A primeira tarefa,portanto, seria a de examinar se a proposta de reforma apresentada sobrevive a um teste de viabilidade. Ora, sem me referir de imediato às inúmeras críticas a ela dirigidas por economistas deste e de outros países,registro que o próprio ministro em entrevista televisionada reconhece que a proposta em exame no legislativo recebeu por razões “políticas“ achegas estranhas a sua estrutura óssea. Disse-nos candidamente que certas propostas foram incluídas por políticos por razões que ele próprio desconhece. Torna-se portanto óbvio que o Congresso legitimamente deverá restaurar o caráter de natureza exclusivamente previdenciário. Essa tarefa foi igualmente explicitada pelo líder da oposição, Deputado Molon, em arguição precisa ao próprio ministro quando de sua passagem pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara.

Mas, na realidade, as imperfeições do projeto vão muito além dos aspectos políticos e sabotam o próprio conceito de previdência social tal como inscrito em nossa Constituição. A começar pela própria ideia de desconstitucionalizar o tema com consequências bem sabidas algumas e inferidas outras. Finalmente, a própria relevância da reforma para o equilíbrio das contas públicas têm sido apontada de maneira inflada,segundo diferentes e bem conceituados economistas.

De qualquer forma, a celeuma em que estamos todos envolvidos gira em torno do problema de cessar de imediato o mergulho no abismo que nos levou da quinta maior economia do mundo a nona. É certamente mais importante ainda, permitir que a massa de desempregados encontre trabalho justamente remunerado e legalmente protegido. O ministro Guedes, em determinado momento em uma de suas entrevistas, recordou o bom trabalho do Presidente Lula em prover emprego e benefícios sociais para a população. Usou na ocasião até uma expressão muito oportuna ao dizer que quando “a gente descarimba as coisas, muitas tarefas podemos fazer juntos”. Não se pode deixar de ver nesta frase um laivo de estadista que muito nos faz falta neste momento em que carimbamos a torto e a direito meras contribuições a um debate de ideias que não pertence a governo algum, mas que atinge a toda a sociedade brasileira.

Acusar a oposição democrática como sabotadora, por apontar erros ou sugerir caminhos diversos, não nos levará a bom porto e poderá inclusive aumentar a tensão social. Seria infantil negar ou menosprezar seus possíveis repiques sobre o Estado Democrático de Direito. Se uma greve como a dos caminhoneiros quase paralisou o país, o que se poderia esperar de uma sucessão de greves ou de uma greve geral? Finalizo, porque o tema traz a questão das privatizações, principalmente da Petrobras que aparentemente estaria entrando nas reflexões presidenciais.

As privatizações estão também na agenda do ministro Guedes como segunda etapa na composição das contas públicas, qualquer que seja o resultado da reforma da Previdência. O ministro Guedes teria mencionado ao presidente que não há greve de caminhoneiros na Alemanha de Merkel porque lá não há uma Petrobras.

O Ministro me permitirá discordar: na Alemanha não há greves porque a moeda lá não sofre o mesmo impacto da oscilação de preços em dólar como aqui sofre o real. Aliás,na Alemanha o ministro da Economia está adotando medidas governamentais para evitar que as empresas alemãs possam ser canibalizadas por mega-empresas estrangeiras. Uma visão, convenhamos, muito diferente da privatização e que talvez devesse ser imitada. O espaço acabou, mas o tema não. E a ele voltaremos, se você leitor tiver paciência.

* Ex-embaixador do Brasil na Itália

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