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Manteiga x Canhão - O velho dilema

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Algumas situações sempre me lembram o dilema proposto por Paul Samuelson (Nobel de Economia em 1970) no seu livro de Introdução à Economia, livro em que estudei no início dos anos 70. No livro, logo no começo, apresentam-se 2 gráficos, que podem (e devem) ser aplicados por países e por pessoas.

Estes gráficos, que dão suporte básico a quase tudo em economia, são o de fronteira de possibilidades e o de manteiga x canhão. Fronteira de possibilidades é aquilo que um país ou uma pessoa produz, ou seja o PIB ou que você tem como renda, seja de salários ou outras fontes. Se você gasta mais do que produz, você cobre a diferença com dívida.

O manteiga x canhão apresenta o dilema básico do ser humano, ou seja encher a barriga ou consumir o que ganha em bugigangas. E governar um país é, no fundo, trabalhar dentro da fronteira de recursos da nação e optar em investir ou mesmo gastar, em uma coisa ou outra.

Lembrei-me destes gráficos ao ver o incêndio da Notre Dame, em Paris. Escrevo sem saber os motivos do início do incêndio. E explico. Há cerca de 3 meses atrás, a França foi sacudida por muitos protestos, desta vez os dos coletes amarelos. As pessoas protestavam contra o aumento dos impostos nos combustíveis e o governo francês voltou atrás, cancelando o aumento dos impostos.

A opção da França, no caso dos impostos dos combustíveis, foi propiciar à população combustível barato, mas sem olhar 10 anos para frente. E a França está subsidiando (de uma forma ou outra) combustível barato. O mundo de 2030 está ali na esquina, e sem nenhuma dúvida, será um mundo de veículos elétricos e autônomos, e principalmente na União Europeia, por conta de suas normas rigorosas para combater a emissão de carbono.

Em um mundo de veículos autônomos (carros, ônibus, caminhões) alguém se interessará em possuir carro? Ou será mais lógico e racional fazer um plano de assinatura com uma empresa de carros autônomos? Lembremos que hoje quase ninguém mais usa telefone fixo e que paga por minutos de uso em seus telefones celulares. Pagará um plano mensal de quilômetros rodados, como fazemos hoje num táxi ou num veículo de aplicativo de celular.

Ou seja, de uma forma ou outra, a França, ao dar subsídio para um objeto em extinção (carro próprio), retirou recursos de algum outro local de seu orçamento. E, lembrei-me do incêndio do nosso Museu Nacional na Quinta da Boa Vista, pois nossos governos querem investir em tudo ao mesmo tempo. Os recursos são sempre finitos.

Governar é também fazer a melhor opção mas olhando para a frente. Investir em coisas em extinção nem sempre é a melhor coisa a se fazer. E faço um paralelo com o que acontece e aconteceu no Brasil, com subsídios sucessivos aos combustíveis. Na crise de 2008/2009, a indústria automobilística brasileira solicitou incentivos fiscais ao governo, para manter empregos. Era justo dar? Sim, se houvesse alguma contrapartida. E o lógico era a produção de carros elétricos aqui, ou mesmo, a produção das autopeças para o mesmo, como baterias e motores elétricos. Tínhamos e temos a mão de obra e a matéria prima para isto. Perdemos uma chance. E com os incentivos fiscais e crédito subsidiado, inundamos as ruas com mais carros. O resultado disto foi que a partir de 2010, para propiciar que estes carros andassem, a Petrobras teve que refrear seus aumentos de preços, provocando perdas bilionárias em seu caixa.

Agora, de novo, a Petrobrás é “convidada” a contribuir e não aumentar o preço do diesel, por conta de eventuais protestos de caminhoneiros. E, mais uma vez, decisões são tomadas sem olhar para o mundo que se aproxima, o do veículo autônomo e elétrico. Junte-se a este fato, as recentes notícias de que algumas montadoras irão fechar fábricas no Brasil e, que o governo vai dar incentivos fiscais para a manutenção das mesmas. Se o governo olhar por cima do muro, verá que o fechamento de fábricas de automóveis é fenômeno mundial. As montadoras sabem que o futuro do carro, como um bem pessoal, é um ser em extinção.

Não me chamem de doido. E deixo uma pergunta para os mais velhos. Alguém ainda declara linha de telefone fixo na declaração do imposto de renda? Respostas para a redação.

*Diretor da Praxis Brasil Consultoria e Diretor da 3i Ideias Inovadoras & Inteligentes (Portugal)