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Visita à velha Senhora

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O Estado de S. Paulo, jornal que não costuma fazer ironias, esclarece que a viagem de Bolsonaro aos Estados Unidos é uma vitória diplomática. Para Trump.

Conhecedor dos protocolos de visitas presidenciais, senti-me particularmente constrangido com a ostensiva e inédita exclusão do chanceler brasileiro da conversa entre os dois presidentes. Não pelo chanceler Araujo em si, que, a rigor, como diria Mestre Cartola em seu didático “o mundo é um moinho”, cavou “o abismo com seus próprios pés”. Lamentei ver a Diplomacia brasileira ausente de uma conversa que não se encerra no salão Oval da Casa Branca, mas que se estenderá por ações de prazo ainda não definido. Acresce que na conversa esteve presente um membro do poder legislativo do Brasil, que, embora filho do Presidente, ali representava indiretamente um outro poder da República. Teria sido galante e sobretudo correto o presidente brasileiro insistir na presença de seu chanceler, como fizeram no passado, os Presidentes civis e militares que o antecederam em situação semelhante. No episódio ,sai chamuscado o Itamaraty, que terá perdido cotação diante do corpo diplomático estrangeiro sediado em Brasília. Cotação em queda livre, para ser exato, porque, desde o abstruso e intraduzível discurso do Chanceler por ocasião de sua posse no cargo, muitos embaixadores já sentiram para onde sopram os ventos. E para lá dirigiram suas velas.

As declarações públicas dos Presidentes Bolsonaro e Trump terão aumentado a intranquilidade dos que levam a sério os resultados de uma cúpula presidencial. Os temas, principalmente os políticos, a começar por Alcântara e “todas as opções que ficam na mesa”sobre a Venezuela são de intrínseco e inquestionável interesse do povo brasileiro. Sobre elas. apenas o tempo nos dirá com clareza até que ponto a vitória de Trump foi histórica ou circunstancial. Só o tempo nos dirá se as declarações ambíguas de Bolsonaro foram fruto de uma inexperiência explicável ou de uma malícia, digamos, maquiavélica.

Nas questões econômicas tivemos uma ração farta e nauseante. Nosso ministro da Economia não deixou dúvidas diante dos membros da Camara de Comércio Americana de que o Brasil abriu a temporada de caça. Venderemos tudo, tudinho. Convenhamos: há, ou deveria haver, uma certa diferença de compostura, já que não parece haver noção de ridículo, entre um ministro e um leiloeiro de massa falida. Não houve, que tenha sido noticiado nos jornais, um queixume sequer pelos constrangimentos impostos com as medidas unilaterais e injustificadas de Trump contra o aço brasileiro, nem uma leve menção a nossas dificuldades com o maior parceiro do Mercosul por abrir uma cota de trigo com tarifa zero. E, como se trata de cota, pode ser, e certamente será, objeto de incrementos posteriores. Notícia acalentadora para nossos produtores agrícolas.

O diálogo de nosso ministro com o seu contraparte, responsável pelo comércio exterior, terá sido educativo, espero. Ao pedir-lhe apoio para o ingresso do Brasil na OCDE, recebeu de bate-pronto e na lata, a resposta: primeiro vocês abandonam os benefícios de país em desenvolvimento na OMC. Vejam bem: nós havíamos declarado, pela voz mais autorizada da nação, que viéramos aos Estados Unidos para “desconstruir” erros do passado. A resposta do ministro americano deve ter pegado a bola no rebote, pois, o Brasil abriu a própria guarda para ver censurado tudo que for contrário aos interesses americanos. E, aqui, nós temos que chamar ao palco o nosso chanceler, senhor de sabedorias desenxabidas. Segundo ele, o tratamento diferenciado para países em desenvolvimento não nos serve para nada. E, com esta frase, passa por cima de gerações de diplomatas que desde os anos 60 negociaram, a enorme custo, uma das cláusulas mais difíceis dos acordo comerciais. Bravo, ministro. Não esquecemos que Vossa Excelência também disse na Câmara de Comércio que o Mercosul foi criado “contra” os Estados Unidos. O Ministro Guedes deve ter adorado. Não tenho espaço para me expandir sobre a OCDE. Vou apenas dizer que acho um espetáculo de besteirol, uma berzundela a nos beneficiar em nada. Só nos amarra a posições negociadoras do interesse dos países desenvolvidos. Seria útil, prezado ministro, recordar que o Brasil é um país em desenvolvimento e não será o ingresso no clubinho dos ricos que mudará a situação. Isso é ilusão de leiloeiros e mitômanos. Não cai bem em profissionais.

Os americanos adoraram a idéia de negociarmos um acordo bilateral de proteção de investimentos. Logo virá a Brasilia o ministro da indústria dos Estados Unidos para dar início às negociações. O assunto é tão arriscado para os interesses brasileiros que dedicarei a ele um artigo, mais próximo do auspicioso evento. Lembro apenas que a França vai-se desligar do tratado internacional de proteção de investimentos proposto pelos Estados Unidos. Aceitar negociar um acordo bilateral de garantia de investimentos neste momento é dar um tiro no pé. Nos quatro.Termino com uma reflexão pessoal: será que com uma assessoria dessas não estamos sendo injustos em atribuir a Bolsonaro a vitória de Trump?

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