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Retrocesso ambiental no Rio de Janeiro

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Foi publicada uma portaria pelo Detran (nº 5.533, de 09 de Janeiro de 2019), regulamentando a Lei 8.269/18, sancionada pelo governador no apagar das luzes da gestão passada, e que prevê o fim da vistoria obrigatória - inspeção veicular de segurança e gases poluentes - realizada pelo Detran-RJ em convênio com o Inea. Em certa medida, esse projeto de lei "resolveria" uma demanda antiga dos proprietários de veículo do Rio de Janeiro, cansados e indignados com o tratamento (excesso de burocracia, longas filas etc) que normalmente é dado nos postos de inspeção.

Ocorre que alguns fatos talvez não sejam de conhecimento da maior parte da sociedade, em especial o risco envolvido para a saúde da população em função da flexibilização de um importante instrumento de controle da qualidade do ar.

A poluição do ar nas grandes metrópoles é considerada pela Organização Mundial de Saúde como um problema de saúde pública. O que pouca gente sabe, é que justamente por causa de instrumentos de controle, tais como a Inspeção Veicular de Gases, realizada nos postos do Detran, simultaneamente à inspeção anual de manutenção, o Estado do Rio conseguiu atingir uma redução de cerca de 75% a 95% nas emissões de poluentes atmosféricos na RMRJ, conforme demonstrado no Inventário de Emissões de Fontes Veiculares, do Inea, publicado em 2016.

Para que esse resultado - inédito dentre todos os estados da Federação - fosse atingido, o governo do estado, desde 1997, tem no seu Programa de Inspeção e Manutenção Veicular uma das principais ferramentas de ação direta. Atuando de forma pioneira em relação aos demais estados da Federação, por meio de um convênio de cooperação técnica firmado entre o Detran-RJ e a extinta Feema, hoje Inea, o Programa visa garantir a execução de inspeções anuais de gases, como parte da vistoria anual, em veículos em uso no Estado do Rio. Esse programa, além de pioneiro, era o único atualmente em execução no país.

Outro fato importante, e que poucas pessoas sabem nem tampouco a atual gestão do Detran), é que essas inspeções (tanto a dos itens de segurança quanto à de emissões) são obrigatórias por lei federal. Desde 1997, o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) prevê essa obrigatoriedade, em seu Art. 104.

O Conama, em dezembro passado, e portanto, depois de quase 5 anos de discussões em que participaram tanto o setor produtivo quanto os órgãos públicos e a sociedade civil organizada aprovou normas que obrigam os estados a criarem seus Planos de Controle de Qualidade do Ar (Revisão da Resolução Conama 03). Na liderança dessas negociações estava o Estado do Rio. Nossa rede de monitoramento é uma das mais completas dentre todos os demais estados. Com a aprovação dessa resolução, pelo Conama, os estados serão obrigados a implementar algumas medidas, exatamente como o Estado do Rio já tem implementadas.

Com base nessas novas regras criadas pela lei estadual, e agora regulamentadas pela Portaria 5.533 do Detran, criando o licenciamento anual "autodeclaratório", o estado passa a economizar os custos da vistoria, embora continue cobrando os mesmos valores do contribuinte (até onde se sabe não há previsão de redução dos valores das taxas pertinentes). Ou seja, o cidadão passa a se responsabilizar (inclusive criminalmente) pelas informações prestadas quanto às condições não apenas de segurança, mas também de regularidade ambiental de seus veículos, só que sem poder contar com o serviço que antes era prestado pelo Detran (em convênio com o Inea). Considerando que não há como saber se o seu veículo está regulado sem levá-lo a uma oficina mecânica, o cidadão ainda terá mais um gasto. Pior de tudo, o comparecimento ao posto do Detran continuará sendo obrigatório anualmente, para obtenção do documento atualizado (CRLV).

Em resumo, quase nada mudou. O cidadão continuará sofrendo com o transtorno de ir ao posto do Detran anualmente (sem o seu veículo), continuará pagando pela taxa de licenciamento, agora sem a prestação do serviço da inspeção de gases. O que mudou mesmo será a qualidade do ar da região metropolitana, em especial. E vai mudar para pio, já que se formos depender das inspeções "aleatórias" criadas pelas

novas regras, perderemos todo o avanço que foi conseguido ao longo dos últimos 20 anos. É isso que chamamos de melhoria no serviço público?

* Advogado especialista em Direito Ambiental