ASSINE
search button

Fim da Justiça do Trabalho: quem ganha, quem perde?

Compartilhar

Após pronunciamento do atual governo sobre a possibilidade de extinção da Justiça do Trabalho, surgiram manifestações de entidades ligadas ao órgão, entre elas, a Associação dos Magistrados Brasileiros, o Ministério Público do Trabalho e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.

A meu ver, o Poder Judiciário está sendo tomado como "bode expiatório" para todos os problemas do país. O papel e a importância da Justiça do Trabalho necessitam ser melhor esclarecidos para a população. Assim, para compreender a sua importância é necessário retornar aos séculos 18 e 19 e assimilar o período histórico que impulsionou o surgimento do conjunto de normas e princípios jurídicos que regem as relações de trabalho nos dias de hoje.

Tanto a entidade quanto as leis são resultados do mundo capitalista. Surge o Direito do Trabalho após a Revolução Industrial, quando passou a ser comum e predominante o trabalho remunerado. Os primeiros trabalhadores assalariados foram explorados e tratados de forma desumana. Homens, mulheres e crianças trabalhavam em jornadas extenuantes, sem folga, segurança ou garantia.

Diante de condições degradantes, os empregados passaram a exigir melhores condições, melhores salários e mais segurança. Tais reivindicações só eram ouvidas, e eventualmente atendidas, quando partiam de um grupo grande e não de apenas um empregado. Daí surgem as primeiras associações de trabalhadores, que posteriormente deram ensejo a criação dos sindicatos.

O Direito do Trabalho é consequência dos conflitos que passaram a existir entre grupos de trabalhadores e empregadores. A mais pura e cruel luta entre o capital e o trabalho. No entanto, a sociedade passou a exigir um pronunciamento do Estado para regular os problemas sociais. A hostilidade, que conturbava a ordem, também não era admitida pelos demais cidadãos. Portanto, as primeiras regras vieram para regular essa nova modalidade de relação. Por isso, hoje contamos com um Poder Judiciário Trabalhista especializado.

Pode-se dizer então que a Justiça do Trabalho é um grande amortecedor social, para que, havendo algum tipo de conflito, seja possível encontrar uma solução rápida, justa e isenta. Segundo dados do IBGE, aproximadamente 33 milhões de trabalhadores têm carteira assinada, e cerca de 20 milhões de trabalhadores potenciais. Caso a economia efetivamente se aqueça e volte a gerar empregos, a Justiça do Trabalho atingiria mais de 50 milhões de trabalhadores para os quais é essencial a existência de um órgão isento que possa restabelecer a justiça e o equilíbrio entre as partes.

A Justiça do Trabalho pode ter ignorado os efeitos econômicos e sociais de suas decisões? Sim, em alguns casos é possível que tenha havido certo exagero nas decisões em favor dos empregados, mas não na maioria. A existência de situações que podem até ser consideradas equívocos deste segmento do Poder Judiciário não podem servir para justificar o fim de um ramo especializado da Justiça, especialmente quando a maior parte das ações trabalhistas trata de pagamento de verbas rescisórias, FGTS, horas extras, ou seja, direitos básicos do trabalhador.

É preciso reconhecer que já houve significativa mudança na legislação trabalhista. A reforma trabalhista ocorrida em novembro de 2017 conseguiu reduzir o número de ações e também alguns desequilíbrios legais e processuais que existiam nas relações e nas ações trabalhistas.

Em sentido contrário do que vem sendo apregoado por muitos, não é a Justiça ou o Direito do Trabalho que interfere na economia, mas sim a economia que reflete diretamente nas relações de trabalho. Muitas vezes, os empregadores deixam de cumprir a legislação por questão econômica, deixando o direito do trabalhador de lado. A par das discussões constitucionais sobre a legalidade da proposta, ninguém ganha com a ideia de extinção da Justiça do Trabalho. A sociedade como um todo perde. Empresas e empregados perderão.

Deste modo, não é a Justiça do Trabalho que impede o crescimento do país. O Brasil deixou de crescer por inúmeros motivos, especialmente por equívocos de gestão, corrupção sistêmica, por uma política de compadrio, baixo investimento em educação, saúde e infraestrutura. Se houver crescimento, emprego pleno e salário digno, a importância da Justiça do Trabalho pode reduzir naturalmente, mas jamais a culpa pelo não crescimento econômico do país.

* Advogado trabalhista empresarial