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Quando a diplomacia se impõe

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Meus cinco ou seis leitores fiéis sabem como tenho sido crítico das movimentações crípticas no Itamaraty. Hoje, me apraz registrar que a visita do Presidente Macri ao Brasil terá marcado o retorno da diplomacia à trilha do profissionalismo. O discurso sereno e substantivo do Presidente Bolsonaro não deixará dúvidas a seu contraparte argentino, bem como aos povos de nossas duas nações ,que a parceria estratégica continuará inspirada por valores democráticos e por projetos econômicos de mútuo benefício. Discurso para estadista, a palavra de Bolsonaro ressaltou com límpida clareza e adequada firmeza os interesses que nos ligam à Republica Argentina e ela a nós. Ressaltou o presidente brasileiro “a franqueza” com que se devem falar os amigos.O que não se confunde com a arrogância em pronunciamentos frequentes de chefe de Estado ,que ,pela importância de seu país, deveria ser o primeiro a mostrar contenção e compreensão no conturbado clima politico e econômico que atravessamos. Pelo menos, não piorá-lo. Também, nesse ponto, ao referir o problema venezuelano, o discurso foi sóbrio, a revelar, no estilo e na linguagem, a digital da Chancelaria brasileira.

O Presidente , por sua formação militar, sabe muito bem que, até o último quartel do século 20, as escolas superiores das forças armadas desenhavam seus planos de defesa estratégica tendo como hipótese agressiva a Argentina. Os diplomatas, convivemos bilateral ou multilateralmente com as negociações sobre a construção de Itaipu e tivemos com os diplomatas argentinos - determinados e competentes, diga-se a bem da verdade - anos de dificílimas escaramuças. Nada disso se resolveu senão pela diplomacia do San Martin e do Itamaraty, abrindo espaço para décadas de cooperação que resultaram na criação do Mercosul, na histórica visita do Presidente Sarney a usinas nucleares argentinas, na decisão de fazer da América do Sul um território livre de armas nucleares e promover entre Brasil e Argentina a mais profunda, aberta e amigável cooperação militar.

Não estou a esquecer que este processo de aproximação e amizade se fez com compreensão e esforço nem desconheço que até hoje Argentina e Brasil tem percepções diversas em temas de grande importância como, por exemplo, na reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Mas essas divergências correm num leito de confiança mútua, que nos permite o diálogo construtivo, embora ,às vezes, amargo.

Conheço igualmente as reticências não só brasileiras, mas também de outros parceiros do Mercosul às negociações de acordos comerciais, que, por sua própria natureza, tendem a provocar desconforto quando os diferentes estágios do desenvolvimento industrial tornam um acordo aceitável para uns e inaceitável para outros. A defesa da “ não- liberdade individual de negociar” é norma espinhosa, mas a alternativa não será tão rósea quanto se imagina ,principalmente quando se almeja, ainda que num futuro indeterminado, fazer do Mercosul uma unidade econômica, nos moldes da União Européia. A convergência de regras e normas, mencionada no discurso de Bolsonaro, seria quase impossível se os países- membros aceitassem em negociações bilaterais padrões e regras díspares. Enfim, esse tema, com complexidade e meandros políticos, já está fora do meu radar.

Outra boa notícia esta semana foi a de que o Brasil não denunciaria o acordo de Paris sobre mudanças climáticas. A decisão coincide, mas certamente não decorre, de o tema das mudanças climáticas estar no topo da agenda do Forum Econômico Mundial ,em Davos. No momento em que você lê estas linhas, caro leitor, Bolsonaro será ali acolhido como novo presidente da maior democracia da América do Sul. Quem sabe o Presidente anuncie que o Brasil irá sediar a próxima reunião do Acordo de Paris ,tal como inicialmente previsto? O Itamaraty saberá organizá-la e conduzi-la, como já o fizemos inúmeras vezes.O que não é usual é um país aceitar sediar uma reunião internacional e depois ,dela abrir mão. Como dizem ,” El Itamaraty no improvisa.” . Paro por aqui, antes que me embale num otimismo pouco diplomático. Buenos aires para todos.

* Embaixador aposentado

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artigo | diplomacia | jb