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O olhar parcial sobre Israel

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A recente visita do primeiro-ministro de Israel ao Brasil despertou euforia em alguns grupos no nosso país. Em cinco dias, Benjamin Netanyahu esteve presente na cerimônia de posse do presidente Jair Bolsonaro e compareceu a diversos compromissos oficiais. Em meio aos aplausos efusivos e às várias homenagens, incluindo a emissão de um selo comemorativo estampando o rosto de Netanyahu, fica claro que uma parcela considerável dos brasileiros tem uma visão parcial sobre Israel ou uma cegueira (intencional ou não) a respeito das políticas do atual governo israelense.

Diante da relação estreita que se anuncia entre o presidente brasileiro e o premiê israelense, inclusive com a promessa da mudança da Embaixada brasileira para Jerusalém, o que precisa ser dito claramente é que apoiar Netanyahu incondicionalmente significa ter um olhar parcial da política israelense. Sobretudo, significa apoiar uma corrente política que tem se caracterizado por constantes violações dos direitos humanos da população palestina.

Desde junho de 1967, Israel ocupa a Cisjordânia, incluindo Jerusalém Oriental, territórios que, juntos à Faixa de Gaza, são reivindicados pelos palestinos para formar seu Estado independente. Um dos maiores entraves para a criação do Estado da Palestina, com capital em Jerusalém Oriental, é a prática israelense de construir assentamentos na Cisjordânia. Atualmente, existem mais de 200 assentamentos nesse território, onde vivem cerca de 600 mil colonos.

Tal situação causa imensos prejuízos para os palestinos. A rede de blocos de assentamentos isola comunidades inteiras e seus moradores precisam passar por inúmeros postos de controle para se movimentarem entre uma cidade e outra, sendo submetidos, muitas vezes, a humilhantes e demoradas revistas. Muitos palestinos não podem usar terras próximas a assentamentos para a agricultura e pastoreio, e são frequentes as demolições de casas consideradas ilegais por oficiais israelenses. A divisão da água na região é altamente desigual. Enquanto as colônias israelenses possuem água até para suas piscinas, comunidades inteiras de palestinos não dispõem regularmente do líquido precioso para suas necessidades básicas.

Na Faixa de Gaza, o quadro é de calamidade humanitária. O cerco israelense iniciado em 2007 fez do território uma espécie de gigantesca prisão a céu aberto, sentenciando milhares de pessoas a uma situação extremamente precária, sem recursos básicos, como água e energia, em níveis minimamente aceitáveis. Entrar e sair da Faixa de Gaza é uma saga digna de filmes épicos. Das quatro saídas terrestres do território, três são controladas por Israel e uma pelo Egito, o que cria uma série de dificuldades para a movimentação dos palestinos. O litoral é altamente patrulhado, com um perímetro de navegação que dificulta a vida dos pescadores. Além disso, alegando questões militares, Israel proíbe a entrada de uma série de produtos no território e até de alguns alimentos. Para completar o caos, sucessivas guerras contra o Hamas (grupo que controla a Faixa de Gaza), têm deixado milhares de mortos, feridos e desabrigados.

Netanyahu age deliberadamente para perpetuar essa situação. Desde seu primeiro mandato como primeiro-ministro, ele favorece a política de assentamentos e, assim como seus colegas no partido Likud e seus apoiadores na direita religiosa e militarista, não dá qualquer sinal de estar comprometido, de fato, com uma solução para o conflito que resulte na criação de um Estado palestino. Hoje, com Donald Trump na presidência dos EUA, ele se sente em uma posição confortável para seguir com suas políticas sem ser incomodado.

Contudo, Netanyahu e seus apoiadores não representam a totalidade da população israelense. Há dezenas de organizações e grupos em Israel que lutam arduamente pela paz e que trabalham pelos direitos dos palestinos. Dentre eles podemos citar o grupo Paz Agora, que teve como um de seus fundadores o escritor recentemente falecido Amós Oz; o B’Tselem, que monitora violações aos direitos humanos cometidos nos Territórios Palestinos; o Breaking de Silence (Quebrando o Silêncio), grupo formado por ex-militares que denunciam os males da ocupação; dentre outros.

Portanto, a despeito da política oficial do governo Bolsonaro, se nós, enquanto sociedade, quisermos apoiar Israel, apoiemos não a corrente que prega a discriminação, a opressão e as violações de direitos humanos, mas sim aqueles grupos que trabalham para a construção da coexistência e da paz.

* Doutor em História Comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ

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