ASSINE
search button

O primeiro 'posto Ipiranga'

Compartilhar

Há líderes que figuram na História positivamente, como Churchill. Ou, ao contrário, acabam negativados, como Hitler. Vale, nela, a máxima “ao vencedor as batatas”, do humanitismo machadiano de Quincas Borba. Ora vencedor, ora vencido, o baiano Ruy Barbosa se consagrou como sinônimo de inteligência e habilidade – a Águia de Haia que deslumbrou o mundo em sua intervenção na Holanda, quando se opôs em nome do Brasil ao projeto das superpotências da época (1907) de controlar a corte internacional de justiça.

Na primeira hora da República, ainda em 15 de novembro de 1889, Barbosa redigiu o decreto inaugural do governo provisório do Marechal Deodoro da Fonseca. Com 40 anos, ácido crítico da política econômica imperial, Ruy foi bancado pelos militares para assumir o Ministério da Fazenda. A condição de “posto Ipiranga” que Barbosa assumia na época não vinha só do apreço dos republicanos à sua proverbial sabedoria. O já destronado d. Pedro II disse, ainda em 1890: “Nas trevas que caíram sobre o Brasil, a única luz que alumia, no fundo da nave, é o talento de Ruy Barbosa”. Não era um posto de combustível, mas um candeeiro.

Aí se deu o anticlímax. Como o PT, que condenava mas depois copiou o velho Mensalão tucano, Barbosa pôs em prática o mesmo que havia criticado no Império. Amarrou as pontas de um plano mágico para estimular um galope rápido no processo de industrialização, algo como encilhar o cavalo antes de enfiá-lo na raia para uma corrida. O plano foi, assim, apelidado de Encilhamento. Nem por ele, mas pela oposição, ecoando na imprensa e passando à história.

Seu êxito calaria as pressões dos monarquistas reacionários e sossegaria os republicanos progressistas. O novo regime começaria com a marca do sucesso. Talvez por excesso de autoconfiança, coisa que acontece a quem é muito bajulado, em janeiro de 1890 Ruy decreta uma nova lei bancária, incentivado pelo Conselheiro Mayrink, diretor do Banco (dos Estados Unidos) do Brasil. Assinou a lei como quem rouba, às escondidas, sem sequer consultar o presidente. Barbosa, o primeiro “posto Ipiranga” da economia republicana, para sua sorte não se imortalizou na história por esse plano. Os frutos do pacote econômico não foram os fantásticos resultados que o Marechal Deodoro da Fonseca esperava para fazer o Brasil galopar rumo ao desenvolvimento industrial.

O que vem depois é uma sucessão de escândalos e fracassos que precederam um amplo rol de planos também tidos por obrigatórios ou “infalíveis” distribuídos por toda a história republicana. Houve uma forte crise e ao cabo de nove meses de governo o proclamador da República se viu golpeado pelo vice-presidente, Marechal Floriano Peixoto, em meio a muitos atritos com a imprensa e uma aguerrida ala das Forças Armadas. O brilhantismo revelado posteriormente por Barbosa em Haia, entretanto, eclipsou o desastre de criar o primeiro e frustrado pacote econômico republicano. A história lhe foi generosa.

Barbosa, depois ameaçado de prisão e morte, foi pedir desculpas ao monarca exilado em Paris: “Majestade, me perdoe, eu não sabia que a República era isso”. Valendo o preceito de Love Story, de Erich Segal (“Amar é jamais ter que pedir perdão”), que o economista Paulo Guedes jamais tenha que fazer o mesmo a 209 milhões de “imperadores” brasileiros.

* Escritor

Tags:

artigo | ipiranga | jb