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Katowice, a volta dos que não foram

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Katowice, Polônia - A COP24, em Katowice, continuava ontem, mas dá para escrever sobre as suas inevitáveis conclusões - como aliás estou fazendo - ainda que as negociações varem a madrugada. Na delegação brasileira costumeiramente se faz um “bolão” da hora do corujão em que irá terminar. Essa é uma COP de pouco suspense. Não tem aquele perfil político marcante de Copenhague, em 2009, ou de Paris, em 2015, uma considerada fracasso, outra sucesso, quando, na verdade, foram parte de um mesmo processo de avanço a passo de cágado, incremental. E sempre altamente insuficiente para a demanda do Planeta. O processo decisório das COP depende do consenso de 196 governos: o mais atrasado dita os limites. O ponto mais delicado, que chegou a ocasionar um telefonema do secretário geral da ONU, Antonio Guterres, ao presidente Michel Temer, foi da regulamentação do Artigo 6º do Acordo de Paris, que trata da nova forma do Mecanismo de Desenvolvimento Sustentável, o mercado de carbono no marco da ONU. A posição do Brasil é escorregadia. Tem que se evitar a chamada “dupla contagem” e impor algo que o país tem razão: a necessidade de um sistema unificado de registo dos créditos de carbono.

O chamado Diálogo de Talanoa, patrocinado pelas Ilhas Fiji, pressiona para que se inicie o processo de revisão das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC) em 2020. Deve sair uma recomendação, uma pressão moral. Nesse item, o Brasil - alguém precisa avisar isso para o próximo governo - nada de braçada porque a nossa NDC é uma das mais avançadas do mundo. O Brasil é o único país em desenvolvimento com metas expressas em reduções absolutas de emissão. Outros países (tipo México e Indonésia) fazem reduções contra projeções de curvas de emissão imaginadas, e outros (tipo China e Índia) em intensidade de carbono por ponto percentual do PIB. A contribuição do Brasil foi incondicional.

O Brasil anunciou que iria reduzir suas emissões em 38% até 2025 e 43% até 2030. Dá para fazer favorecendo nossa economia. Quanto à tal revisão para mais, penso que desta vez deveria ser condicional: colocar na mesa, como condição, a criação de um Fundo Garantidor Internacional para financiar, a juros internacionais mais baixos, o financiamento massivo de pagamentos por serviços ambientais, entre outros projetos. É fundamental para reduzir o desmatamento legal. Temos que ter instrumentos econômicos para que não desmatar se torne melhor negocio que desmatar. O Brasil tem terra de sobra - 60 milhões de hectares de terra degradada para plantar tudo e mais alguma coisa - mas em diversas áreas interesses locais querem ainda avançar sobre a floresta. Precisa ser melhor negócio mantê-la em pé prestando serviços ecossistêmicos. Já o desmatamento ilegal, é caso de polícia. Precisa ir para o colo do ministro Sérgio Moro e do MP - 95% do desmatamento na Amazônia é criminoso e, no sul do Amazonas, por exemplo, promovido pelo tráfico de drogas.

Um tópico em que a COP 24 tende a não avançar é o dos famosos US$ 100 bilhões que os países desenvolvidos têm que dar por ano para os em desenvolvimento. Essa é uma conversa fiada que simplesmente não vai rolar, pelo menos na forma imaginada de transferência de recursos públicos Norte-Sul. O Fundo Verde do Clima, na verdade, consegue apenas cuidar de programas de adaptação nos países mais pobres. Para projetos de redução de emissões (mitigação) está mal formatado.

Mesmo que esses US$ 100 milhões se materializassem, a partir de 2020, representariam para mudanças climáticas aquilo que os gringos chamam de peanuts (amendoins). O custo global anual, só de mitigação, é de US$ 3 trilhões. Nenhum governo tem esta grana. Ela está no sistema financeiro internacional, na mão de gestores como a Blackrock, que movimenta quase US$ 300 trilhões dos fundos de pensão e outros. Essas empresas começam a incorporar o risco climático aos seus algoritmos. Má noticia para o carvão e o petróleo. Falta saber como se faz para atrair pequena parte que seja dessa dinheirama para projetos descarbonizantes, como mega reflorestamentos, eólica e solar, carros elétricos, biocombustíveis, etc. O Fundo Garantidor Internacional iniciado por alguns grandes governos e fundos ajudaria. Sem falar numa criptomoeda lastrada pela redução de carbono, mas isso já é outra conversa.

*Escritor, jornalista e coordenador do Fórum Brasileiro de Mudança do Clima

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