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Clima: os maus agouros

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No meu trajeto para a Conferência do Clima (COP24), em Katowice, na Polônia, me deparo, em Paris, com o movimento dos coletes amarelos, bloqueando estradas e ruas, contrários à cobrança da taxa de carbono sobre combustíveis. A taxa vinha de governos anteriores mas iria subir em 2019. Ao se dar o recente aumento do preço do petróleo (que já arrefeceu), ela tornou-se casus belli para uma classe média baixa, rural e de pequenas cidades que se inclina para a direita, ressabiada com as cidades cosmopolitas que têm bons transportes públicos e que estimulam o não motorizado: bicicleta, patinete e etc.

O movimento virou catalizador do sentimento anti-Macron, insuflado tanto pela direita como pela esquerda (que adora um tirozinho no pé). Meu amigo Daniel Cohn Bendit, que liderou o maio de 1968 francês, e tem bom faro histórico, está inquieto: “isso vai acabar mal”. Taxar ou cortar subsídios a combustíveis fósseis é sempre um perrengue. Precisaria com medidas de compensação, bem sequenciadas, para os mais pobres e dependentes de automóvel, de uma oferta a preço muito mais barato de veículos híbridos, elétricos ou a biocombustíveis o que ainda vai tardar.

O início da COP24, na Polônia, em Katowice, coincide com a divulgação de novos dados, dos cientistas para lá de assustadores. Toda COP sempre traz sua dose de alarmes, mas essa já começou resolutamente punk. Depois de uma fase esperançosa, nos anos 2013 a 2016 quando as emissões globais de CO2, por queima de combustível fóssil, pareciam se estabilizar, não obstante o crescimento do PIB mundial, agora, elas voltaram a subir: em 2017, em 1,6% e agora, em 2018, em 2,7%. A China, que representa 27% das emissões globais, deve aumentar em 4,8% suas emissões. Os EUA, que respondem 15%, devem aumentar 2,5% depois de anos de declínio – começamos a ver o efeito Trump —. A União Europeia, que responde por 10%, mantém uma pequena redução de 0,7% e a Índia, que emite globalmente 7% deve apresentar o maior aumento de todos: 6,3%. O Brasil, com perto de 3%, apresentará seguramente um aumento, em 2018: o desmatamento na Amazônia passou de 6.900 km2 a 7.900km2 e a inflexão da recessão certamente fez aumentar as emissões por queima de combustível fóssil. Poderemos alcançar níveis muito altos, em 2019, com o “liberou geral” que o futuro governo parece prenunciar em relação ao desmatamento.

Segundo os cientistas, as emissões globais já deveriam ter atingido seu “pico” para começar a cair em 45%, até 2030, para possibilitar uma trajetória de 1,5 graus ou em, pelo menos, 25% para dar chance a uma aumento de “apenas” 2% na temperatura média do planeta nesse século. Num recente artigo da Nature, os cientistas agora estabelecem uma correlação mais veloz entre o aumento de emissões e o aquecimento global. Pensam que poderemos chegar a 1,5 graus, já no início da década de 30, e a 2 graus na de 40. O cumprimento à risca do Acordo de Paris é altamente insuficiente, aponta para 3,2 graus. Era para ser um, apenas um primeiro passo.

Os recentes fracassos apontam para cenários apocalípticos: 4,5 a 5 graus. A partir de 2 graus passam a entrar em jogo os chamados feedbacks, círculos viciosos exponenciais: geleiras derretidas emitindo enormes quantidades de metano, um nível de aquecimento dos oceanos e de secas nas florestas faz com que ambos percam capacidade de absorver carbono. Hoje absorvem perto da metade do emitido. Sem exagero algum: a marcha da insensatez leva ao inferno na terra ainda no tempo de vida de nossos netos. Mas os Coletes Amarelos gritam: “Macron pensa no final do mundo, nós no final do mês”.

*Escritor, jornalista e coordenador executivo do Fórum Brasileiro de Mudança do Clima