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O modelo neoliberal está febril

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Por tradição – que corre sério risco se o Brasil insistir na transferência de nossa embaixada de Tel-Aviv para Jerusalém – o presidente brasileiro abre o debate geral da Assembleia das Nações Unidas. É uma honra e oportunidade política invejadas. O segundo a falar é o presidente dos Estados Unidos. Collor abriu os debates no início da década de 90 e, como havia um encontro dele com Bush, pai, saíram juntos da Assembleia. No saguão ficavam jornalistas e fotógrafos da imprensa, principalmente da americana. Dela partiam insistentes gritos de “Mr. president, mr. president”. Nessa hora, Bush sussurrou para Collor, a seu lado: “como eles não disseram o nome de nenhum de nós dois podemos ignorá-los, não?”. Categoria e delicadeza diplomáticas do velho Bush. Inconcebível nos dias de Trump, que se esmera na grosseria, e a confunde com autoridade.

Na reunião do G20 em Buenos Aires, a delegação americana não conseguiu evitar que o multilateralismo emergisse como uma possibilidade de solução para os graves problemas do comércio internacional, embora Trump insista em bilateralizar para, como sempre, extrair abusivas vantagens nas negociações com países mais fracos, como o Brasil e Argentina. Não conseguiu apoio para minar ainda mais o Acordo de Paris de mudanças climáticas. Depois de uma conversa aparentemente positiva com o líder chinês, talvez um dos poucos surtos de lucidez, a prisão da diretora financeira da Huawei coloca em risco a credibilidade de Trump. Jogo pesado. Ou pensado? Há falcões que defendem uma guerra fria com a China, e o começo é sempre assim.

A General Motors fechará fábricas e demitirá cerca de 150 mil empregados. A General Eletric, endividada, cortou drasticamente dividendos e venderá unidades inteiras de seu gigantesco negócio. A GE deixou de ser uma indústria de produção de bens para se tornar uma empresa altamente financeira atrás dos lucros rápidos, impostos por acionistas rentistas, como manda o canibalismo neoliberal. As indústrias que utilizam o aço em suas cadeias produtivas também vão demitir. A política de elevar taxas de importação voltou-se contra o consumidor. Para completar, temos Macron transformado em padeiro de “croissants” dormidos. Paris, em batalhas campais. O Reino Unido perde a fleugma e se desune da Europa. A Itália rejeita a política monetária da União Europeia e acalenta uma xenofobia visceral. A Rússia e a Turquia se solidarizam política e comercialmente com a Venezuela. Bolton, o assessor de insegurança global, quer o Brasil na Otan, aliado na guerra, parceiro na OMC, com carteirinha da OCDE. Bom cara, o Bolton. No México, o presidente Labrador descreve um quadro de ruína econômica. Congela as concessões petrolíferas. E massas humanas se movem como tsunamis.

No Brasil, a pobreza aumentou nos últimos dois anos. O desemprego e a redução da proteção social são causas evidentes. Comenta-se um teto de 20% no Imposto de Renda e a exclusão total de despesas médicas. Ruim para a classe média. Péssimo para os idosos. Com a exclusão de despesas escolares aumentará a busca de ensino público. Será que o teto de gastos permitirá? Não seria bom aumentar a arrecadação taxando os lucros de dividendos? Nossos econolobistas do mercado se arrepiaram quando ouviram do presidente eleito a sensata proposta de que a reforma da Previdência poderia ser fatiada. Não entenderam que o presidente foi eleito por 56 milhões de brasileiros, número que quase empata com o de brasileiros na linha de pobreza. O Brasil precisa se desenvolver e não de se vender. Desde os anos 70 do século passado estamos seguindo bovinamente as ideias de um neoliberalismo que nos foi apresentado como a única alternativa. E nos vemos hoje com disparidades sociais e econômicas gravíssimas, mais próximos da miséria coletiva do que do bem-estar. Vamos continuar nessa? Não se fará nada sem um esforço universal de reconstruir a sociedade moderna. O Brasil tem papel relevante e não subordinado nesta tarefa.

* Embaixador aposentado