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A verdadeira pauta política

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Quando Lula foi eleito em 2002, os ideólogos do PT de então estabeleceram, entre outras prioridades, afastar o DEM da vida política nacional. O partido era identificado como canal orgânico que liderava as forças atrasadas da sociedade e do Centrão no Congresso Nacional.

Dezesseis anos se passaram e o DEM, o velho PFL, está aí de volta, retomando sua vocação de poder, dando seguimento à sua trajetória desde os tempos da velha Arena. Inverte-se, agora, a situação. Conforme se demonstrou nas últimas eleições, o objetivo é asfixiar eleitoralmente o PT nas áreas que lhe pertencem em condomínio com o PMDB e que as políticas sociais dos governos Lula e Dilma asseguraram ao partido, como a Região Nordeste.

O DEM nitidamente sempre representou a verdadeira direita do país. É nele que se concentram os melhores operadores políticos e técnicos identificados com a proposta liberal para a sociedade brasileira. O futuro governo Bolsonaro, ao montar seu primeiro escalão, tem se utilizado de muitos de seus quadros, indicados pelas bancadas parlamentares, independentemente de negociações com a cúpula do partido.

A tendência é de seu crescimento, até por estar no poder, aliando-se ou fundindo-se ao PSL, partido com grande bancada e abocanhando pedaços do PSDB, MDB e partidos nanicos. Esse novo agrupamento político poderá vir a ser o grande partido de referência da direita brasileira. Uma direita programática e pragmática, com nitidez de ideário, que boa parte dos militares apoia, esvaziando, assim, a centro-direita.

Talvez nesses próximos 10 anos o quadro político brasileiro se explicite mais claramente numa bipolaridade clássica em que o embate político essencial se dará entre a direita e a esquerda. A máxima de que o Centro é que define as eleições no país poderá ser enterrada nas próximas eleições, corroborando os resultados do último pleito de outubro.

A nova direita irá progressivamente modular o discurso do futuro presidente a ser empossado em janeiro. É o que ela já vem fazendo, cortando alguns excessos das falas radicais anteriores, buscando construir um projeto político/econômico que dure pelo menos por mais um mandato, com ou sem Bolsonaro na cabeça da chapa.

Isto quer dizer que a nova esquerda precisa também calibrar seu discurso, afastando-se da pura denúncia de que será instalado um futuro governo fascista – bandeira eleitoral – e iniciar a construção de um programa que unifique todos os segmentos progressistas que se contraponham a um projeto neoliberal.

Essa é a questão central: colocar didaticamente para a população como um projeto desse tipo repercutirá na sua vida diária. O discurso liberal, baseado no tripé austeridade + economia de mercado + estímulo à livre iniciativa privada, como passaporte para inserção do país na economia globalizada, dará conta dos grandes desequilíbrios sociais do nosso país?

Tome-se como exemplo o Chile, país vizinho no mesmo contexto geopolítico do Brasil. Aluno exemplar e aplicador dedicado das receitas do FMI e do chamado Consenso de Washington, não conseguiu reduzir as desigualdades sociais internas, que são ainda muito grandes. Sua economia dependente do preço internacional do cobre, sofre os graves efeitos da variação dessa commodity no mercado globalizado.

Será esse o caminho para um país continental com mais de 200 milhões de habitantes, com diversidades regionais e uma massa gigantesca de quase 30 milhões de desempregados e subempregados? A inserção do nosso país nesse mercado internacional volátil, para garantia da sua própria soberania e estabilidade social, necessariamente terá de enfrentar o oligopólio privado transnacional por meio do monopólio público nacional, evitando-se cair – esse é o desafio – numa política exageradamente intervencionista.

Essas são algumas das questões com as quais a nova esquerda deverá lidar para o convencimento da opinião pública de que a sua ideia de um Estado voltado para o bem-estar social comprometido com a responsabilidade fiscal e a estabilidade monetária é a mais justa. É hora, portanto, de unificar as propostas de um projeto de nação que se contraponha ao da direita neoliberal. Essa é a verdadeira pauta política posta neste momento às forças progressistas.

* Arquiteto e urbanista