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Direitos Humanos servem mais dominados do que extintos

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O anúncio da pastora Damares Alves para o posto de ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos no governo Bolsonaro é o ápice de uma trajetória de confronto ao humanismo, marcada pelo futuro presidente ao longo de sua carreira política e, mais recentemente, também por sua equipe de transição. Os ataques às minorias, à educação crítica, à pesquisa de ponta, à liberdade religiosa, à justiça social, entre outros fundamentos de uma sociedade humanista, têm sido a base da plataforma do vencedor das eleições presidenciais de 2018, manifestada na retórica e na costura política dos últimos dois meses.

A nova cabeça do Ministério dos Direitos Humanos ganhou projeção nacional ao percorrer igrejas evangélicas do país, acusando o PT de transformar escolas públicas em “centrais de perversão”. Segundo ela, Marta Suplicy, quando prefeita de São Paulo, teria investido em programas que ensinariam a masturbação de bebês. Em um de seus discursos mais inflamados, pregou que a “Igreja Evangélica restaure a nação”. Já defendeu, inclusive, que as mulheres devem ficar mais tempo em casa. Além disso, se coloca contra o movimento feminista e a causa LGBT.

Assim, os Direitos Humanos se constituem em inconteste vilão do arcabouço simbólico bolsonarista. Por isso, alguém haveria de perguntar o motivo pelo qual Bolsonaro não simplesmente extingue o referido ministério e suas políticas públicas. Primeiramente, vale demarcar que há um empecilho de ordem pragmática. A despeito do desdém de parcela significativa da população brasileira em relação à temática, os Direitos Humanos são inafastáveis para a participação altiva nos órgãos internacionais. Não só nestes, mas o seu descarte explícito poderia afetar, em alguma medida, contratos internacionais de financiamento e comércio. De fachada ou não, que se mantenha o mínimo da estrutura institucional.

No entanto, há que se reconhecer um caráter mais engenhoso na manutenção dos Direitos Humanos no desenho administrativo e orçamentário do novo governo. Tutelado pela ideia de “família”, presente no nome do ministério, o espaço lentamente alcançado pelas minorias no Estado brasileiro nas últimas décadas volta a integrar os quinhões majoritários e opressores. O requinte está em utilizar as bandeiras históricas dos excluídos como lanças contra esses mesmos grupos. Direitos humanos para humanos direitos. Haverá lugar para mulheres, desde que sejam belas, recatadas e do lar. Existirá alguma oportunidade para negros na medida em que eles saibam a sua posição. Gays e lésbicas, que fiquem no armário ou, se saírem, acomodem-se na prateleira da domesticação. Os idosos terão direitos se tiverem dinheiro para pagar. Aos trabalhadores, indígenas, pessoas trans, deficientes, talvez valha contar com a sorte.

A extinção das políticas públicas em Direitos Humanos, criadas arduamente por governos e sociedade civil, não seria tão efetiva para o projeto bolsonarista de poder do que dominar essas mesmas instâncias, redirecionando beneficiários e narrativas. Poderá servir ainda, em um futuro hipotético, como exemplo a ser saudosamente relembrado de supostos verdadeiros programas de Direitos Humanos. Iniciativas que “valorizem a família”, “incentivem a mulher ao papel da maternidade”, promovam a “cura gay”, acabem com o “vitimismo das cotas” e mais um sem-número de lugares-comuns perigosos. Antes acabassem com o galinheiro em vez de colocar a raposa para tomar conta dele.

* Professor e ativista de Direitos Humanos

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